“Amassados! Cara, você não consegue desligar o botão de negócios,
não é mesmo?”
“Pois é, parece que vem
assim sabe...”, os dois riem quando o segundo treme um pouco os ombros e faz
uma careta demonstrando o “assim sabe...”.
O primeiro ainda está
trabalhando na firma com os outros sócios. O segundo se aposentou há uns seis
meses e estava ali, em uma galeria, expondo seu primeiro trabalho artístico aos
50 e poucos anos. Amassados era o
título. Ele continuou:
“Na verdade eu comecei
porque estava entediado. Depois de duas semanas aposentado parecia que o dia
demorava pra passar. Não tinha nada pra fazer! Eu acordava. Tomava um café. Ia
na banca, comprava um jornal, passava na padaria, comia um pão na chapa, ficava
um pouco na praça lendo o jornal, olhava o relógio e nove horas da manhã! Pelo
amor de Deus, se continuasse assim eu ia me matar. Aí teve um dia que eu passei
na banca pra comprar o jornal e vi lá no alto: Aprenda a desenhar. Comprei!”
“Simples assim?”
“É! Eu nunca pensei que
eu ia desenhar na minha vida. Quer dizer, todo mundo desenha na escolinha, mas
depois aprende a ler e noventa e nove por cento desiste.”
“Eu ainda não consigo te
ver desenhando...”
“Não, mas espera aí...
Eu não consegui. Quer dizer, olha pra isso aqui...”, ele aponta pra um dos
desenhos expostos. Ele põe a mão próxima à boca e fala baixinho: “Eu não
pagaria nem um centavo pra ter uns desenhos feios como esses na minha
parede...”
“Ah, mas não estão tão
ruins. Aquele da casa até que tá legal.”
“É, ok, mas esse não é o
ponto. O ponto é que eu entrei numa papelaria, comprei um daqueles pacotes de
folha de sulfite, que nem aquelas que a gente tinha no escritório pra imprimir,
só que maior sabe... Bom, são essas aqui na galeria; uns lápis e borracha e voltei
pra casa. Abri o livro e comecei a praticar. Mas estavam ficando uma porcaria.
Cada desenho que ficava ruim eu amassava e jogava no chão mesmo. Fiz isso umas
duas semanas. Treinava todo santo dia. O problema era que a cada frustração eu
ficava mais irritado. Até que um dia eu falei: ‘Chega! Pronto! Já tô farto
disso!’”
“Poxa...”
“É, mas olha só, depois
de uns três dias sem desenhar eu entrei no quarto onde estavam os papéis, parei
e fiquei olhando aquela montanha de papel e tive a ideia de fazer essa exposição.
Falei com uma conhecida que me indicou essa galeria e aqui estamos. Semana que
vem eu faço a minha primeira palestra.”
“Nossa, estou
impressionado... Qual é o nome?”
“A força
das artes na vida do homem contemporâneo. É só umas baboseiras sobre como
nessa sociedade em que a correria toma conta de nossas vidas nos sentimos
amassados pelo sucesso ou a falta dele. Entendeu? Bom, vai me manter a cabeça
ocupada por mais um tempo. He, He...”
“Boa sorte cara, boa
sorte...”
Os dois de cumprimentam
com o aperto de mão. O “artista” fica ali apreciando sua obra enquanto o outro
vai pegar outra bebida para aguentar o discurso que está por vir.
Conto
de Lucas Beça
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