Gustavo do Carmo
Deveria ser especialista em portas. Conheço as de madeira, de
aço, alumínio, vidro... De todas as formas:
lisas, caneladas, frisadas, esculpidas e várias outras. Não sou marceneiro.
Sou jornalista e publicitário. Cursei duas pós-graduações:
uma em cultura e outra em telejornalismo. Várias oficinas literárias nas
costas. Só não tenho mestrado porque não tive mais paciência para estudar.
Quero mostrar o que já sei. Cansei de aprender. E principalmente de ouvir
sermões.
Nunca trabalhei na minha vida. Mas tentei. Fiz várias
entrevistas. Várias dinâmicas de grupo. Sempre morri na praia. Falava o que não
devia. Acho que não tenho qualificação para o cargo. Confesso que tenho medo de
enfrentar grandes responsabilidades. Devo ter demonstrado alguma forma de
insegurança. O certo é que eu nunca consegui passar em avaliação ou entrevista
alguma.
Isso me abateu. Me desestimulou. Me entreguei. Desisti de
procurar. Minha mãe fica preocupada. Meu pai e minha irmã me cobram. Para fazer
concurso público, para trabalhar em qualquer subemprego ou na loja de autopeças
do meu pai - lugar que nunca me agradou. Mereço um trabalho melhor. Condizente
com o meu nível de conhecimento. Meu sonho é ser um escritor de sucesso.
Estudo desde os cinco anos de idade. Tenho trinta e cinco.
Perdi oito anos na faculdade. Nunca larguei um curso pela metade. Só no final:
a pós de telejornalismo. Fui traído por uma colega, que inventou desculpas para
não fazer trabalho comigo. Sem condições de fazer sozinho e cansado da
desorganização da faculdade e da coordenadora, além da antipatia dos outros
colegas, abandonei o curso a apenas duas matérias.
Também rompi com os meus ex-colegas da graduação e da outra
pós. Cobrei de alguns, fiz chantagens emocionais com outros, me magoei com todos.
Estourei até com quem eu não deveria: entrevistadores de emprego. Fui irônico e
até grosseiro. A minha única especialidade é a de desperdiçar networking.
Agora, minhas portas estão fechadas. Fechadas nas empresas e pelos
ex-colegas esnobes e amigos falsos. Deveria ser especialista em portas. Aprendi
a conhecer as de madeira, de aço, alumínio, vidro, etc. Conheci todas as suas
formas: lisas, caneladas, frisadas, esculpidas e várias outras.
Abri uma loja de portas e janelas. Não deu nem tempo de
começar a fabricá-las. O negócio faliu no mês seguinte. Não sou portalófilo, se
é que existe esse termo.
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