Crônica de Gustavo do Carmo
Domingo, 25 de junho de 2017.
Grande Prêmio do Azerbaijão de Fórmula 1. Circuito de rua da capital Baku. Felipe
Massa, da Williams (equipe que deu o tricampeonato a Nelson Piquet há exatamente
30 anos e pela qual morreu Ayrton Senna em 1994), que largara em nono lugar,
pula para o sexto logo nas primeiras curvas.
Após algumas voltas, numa relargada
voltando de bandeira amarela, Massa ultrapassa o francês Esteban Ocon, da Force
India, e assume o quarto lugar. Na frente, Lewis Hamilton e Sebastien Vettel se
envolveram em uma batida que poderia custar punição aos dois. Na nova relargada
após o carro de segurança, Massa chega a ultrapassar Vettel pelo segundo
lugar, mas o alemão logo recupera a posição e o brasileiro cai para terceiro.
Se Vettel e Hamilton fossem punidos pelo acidente e a troca de insultos
gestuais, Massa poderia assumir a liderança e vencer a prova.
Eis que a corrida é suspensa com
bandeira vermelha por causa do excesso de detritos na pista perigosa após um
acidente entre os carros da Force India, de Ocon e do mexicano Sérgio Perez.
Assim, todos tiveram que voltar para os boxes, sair dos carros e esfriar a
corrida. Na relargada, meia hora depois, Massa já perdeu duas posições. E logo
em seguida, abandona com problemas no carro. Terminava assim mais um domingo frustrante
para o Brasil na Fórmula 1, cada vez mais abandonada pelo torcedor e pela própria
Rede Globo, que a transmite.
Desde 2009, o Brasil não vence e
nem disputa um título de Fórmula 1. Não com o mesmo Felipe Massa, então na
Ferrari. Mas com Rubens Barrichello, ex-piloto da equipe italiana, que sofreu
com o protecionismo da mesma ao companheiro alemão Michael Schumacher, a ponto
de ser obrigado a ceder uma vitória para ele no GP da Áustria de 2002.
Em 2008, Rubinho (outra mania que
a mídia precisa parar: chamar piloto brasileiro por diminutivo), que já tinha
saído da Ferrari três anos antes, sofreu com a Honda, que não marcou nenhum
ponto.
Naquele ano foi Felipe Massa quem
mais teve chances de título. Era o Grande Prêmio do Brasil, em Interlagos, SP.
Por uma posição à frente de Lewis Hamilton, perdeu o título da temporada, que
foi para o primeiro negro a ser campeão na categoria mais elitista do mundo
(embora a família de Hamilton já fosse rica). Se Massa ganhasse seria o primeiro
brasileiro campeão de Fórmula 1 desde 1991, com Ayrton Senna. Quebraria um
jejum de dezessete anos.
No ano seguinte, Barrichello já
estava quase desempregado - como Massa este ano – quando a massa falida da equipe japonesa foi
comprada por Ross Brawn, antigo projetista da Ferrrari, que transformou o
patinho feio num cisne vencedor. Barrichello e Jenson Button foram mantidos na nova
equipe Brawn GP (hoje a Mercedes, de Hamilton, campeão de 2008). E quem
brilhou... foi o outro inglês, que acabou sendo o campeão. Mas Barrichello, até
o GP do Brasil, antepenúltima prova, ainda tinha chances de título.
Naquele mesmo 2009, no GP da
Hungria, circuito de Hungaroring, Budapeste, Massa levou uma mola em cheio na
cabeça (atravessou o capacete) que se soltou do carro de quem? Da Brawn de
Rubinho. A então promessa de títulos brasileiros da Fórmula 1 correu risco de
morte. Ficou de fora do resto da temporada. Só voltou no ano seguinte. Já como
companheiro de equipe de Fernando Alonso.
Aí sim, o Brasil nunca mais
venceu, muito menos disputou um título de temporada. Massa ainda teve que ouvir o seu engenheiro
na Ferrari dizer, pelo rádio, no GP da Alemanha 2010, que Alonso estava mais
rápido do que ele na Alemanha e por isso deveria deixá-lo passar para o
primeiro lugar.
Na verdade, o bom momento de
Felipe Massa foi apenas um hiato de uma maldição contra o automobilismo brasileiro que começou em outra categoria,
na Fórmula Indy, mas que teve mais efeito na Fórmula 1.
Em 1993, Emerson Fittipaldi,
primeiro brasileiro campeão e bicampeão de Fórmula 1, em 1972 (Lotus) e 1974
(McLaren), correndo pela equipe Penske, conquistava pela segunda vez, as 500
Milhas de Indianápolis, prova mais tradicional do automobilismo
norte-americano e mundial.
Na sua primeira vitória, em 1989,
bebeu o leite fornecido por produtores locais a todos os vencedores da prova.
Respeitou uma tradição de quase 60 anos na época. Mas, quatro anos depois, Emerson
recusou o leite, preferindo beber suco de laranja, extraído de sua própria fazenda em
Araraquara (SP).
Não estou culpando o Emerson. Ele
tinha todo o direito de promover o seu produto de exportação nacional. Só que,
coincidência ou não, como uma praga rogada pelos norte-americanos naquele mesmo
ano, ele não ganhou a temporada.
Na Fórmula 1, Senna, que até tinha chances
de conquistar o tetracampeonato, acabou derrotado pela Williams-Renault (mesma
equipe de Felipe Massa hoje) de Alain Prost, que realmente era muito mais forte
que a já combalida McLaren, que corria com um motor Ford Cosworth, comprado
usado da Benetton.
Desde então, o Brasil nunca mais
foi campeão na Fórmula 1. Só disputou o título uma vez e meia. Senna morreu em
1994, após uma batida forte na curva Tamburello em Ímola, San Marino, e o nosso país só viria a ter um piloto numa equipe forte em 2000, com
Barrichello na Ferrari. Mas ele era um simples escudeiro. Já Massa nos iludiu
com uma carreira promissora em 2006 e 2007. Quase foi campeão em 2008, mas
levou a mola na cabeça no ano seguinte e incorporou a submissão do Rubinho. Ambos
fizeram a alegria dos seus companheiros de equipe. Será que a mola renovou a maldição?
Barrichello, quando saiu da
Ferrari, foi para Brawn e virou coadjuvante do Button. Depois da Williams, viu
o companheiro Niko Hülkenberg ser pole num GP do Brasil. Antes mesmo da
Ferrari, no GP da Europa de 1999, em Nürburgring, Alemanha, já tinha visto seu
companheiro Johnny Herbert conquistar a única vitória da sua então equipe
Stewart (depois Jaguar e hoje Red Bull). Já Massa virou escudeiro do Raikkonen
e do Fernando Alonso. Foi para a Williams para ser ofuscado pelo companheiro
finlandês Valtteri Bottas, que foi para uma equipe grande, a Mercedes. E essa
mudança garantiu Massa na Fórmula 1 este ano, continuando na hoje fraca
Williams. Sobrinhos e filho de brasileiros campeões também não vingaram.
Christian Fittipaldi, Nelsinho Piquet e Bruno Senna.
O Rio de Janeiro também perdeu o
seu autódromo de Jacarepaguá para o parque olímpico e nada de ser construído
outro em Deodoro, como prometeram. E mesmo o próprio Emerson foi à falência. A
fazenda do “maldito” suco foi até vendida.
Tudo bem que na Fórmula Indy o
Brasil voltou a ter bons momentos. Tony Kanaan foi campeão em 2004. Ele também venceu as 500 Milhas em 2013. Gil de
Ferran em 2003. E Hélio Castro Neves conquistou três vezes (2001, 2002 e
2009). Mas também houve maldição. Hélio chegou a ser preso por sonegação de
impostos (felizmente foi absolvido) e Cristiano da Matta teve que abandonar a
carreira após um acidente com um cervo que também quase lhe custou a vida. A
Fórmula Indy nem desperta mais tanto interesse por aqui. Assim como a Fórmula
E, com carros elétricos, na qual Nelsinho venceu uma das duas temporadas
disputadas até agora.
Ah! A corrida de Baku foi vencida
pelo australiano Daniel Ricciardo, da Red Bull (que já dominou a Fórmula 1 por
quatro anos e hoje também está decadente), com o ex-companheiro de Massa na
Williams, Valtteri Bottas, em segundo e atual, o jovem canadense Lance Stroll
(filho de patrocinador) chegou em terceiro. Se o carro não tivesse quebrado,
dava para o Massa vencer no Azerbaijão.
Emerson Fittipaldi não bebeu o
leite da vitória em 1993 ao preferir o seu suco de laranja, mas, quase 25 anos depois, eles ainda dão muita azia e azar para o
automobilismo brasileiro. Ou será a mola de 2009 do Rubinho Barrichello?
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