Quando criança, Afrânio
tinha medo do escuro e do bicho-papão. Entre os pavores reais estavam os
bate-bolas no carnaval e as baratas. Dos três primeiros perdeu quando cresceu,
mas ainda continua com medo dos insetos.
Na escola, tinha medo de
ficar de castigo e tirar nota baixa, o que não deixava de acontecer. Quando
tirava nota baixa, seus pais se recusavam a assinar o boletim. Ele ficava com
medo de ser castigado por entregar o boletim sem assinatura e chegou ao ponto de falsificar a do pai.
Chegou à adolescência com
medo de levar fora das namoradas. O temor se concretizou. Era sempre humilhado
pelas garotas (que exibiam os seus musculosos namorados na porta da escola),
que o chamavam de feio e bobo, e também pelos garotos mais espertos, que diziam
que ele era o filho do professor de Química, de rosto marcado, dentuço e óculos
de fundo de garrafa como Afrânio usava na época.
Ele também não gostava muito
de estudar. Não tinha paciência para decorar. Assim, teve dificuldades de
passar no vestibular. Obviamente, não foi aprovado para uma faculdade pública.
Ficou com medo de ficar sem estudar após o segundo grau.
Afrânio tinha medo de
trabalhar na loja do pai, que sempre o deixava pra escanteio em favor dos seus
parceiros de negócio. Também morria de
medo da cidade onde ficava o estabelecimento comercial do pai, que já fora assaltado
algumas vezes por lá.
Conseguiu ser aprovado para
uma faculdade particular na zona sul do Rio. Suburbano, tinha medo de ser
discriminado pelos colegas, o que realmente aconteceu. Ingênuo, tinha medo de ser humilhado pelos
professores, o que de fato ocorreu, mas apenas por alguns. Os demais ficaram
com pena. Tinha medo de ser rejeitado pelas mulheres e foi.
Já era adulto e continuava
com medo. Ainda na faculdade, tinha medo de procurar estágio. Depois que se
formou em jornalismo e publicidade (tinha medo de fazer medicina e pôr a vida
de alguém em risco, de fazer direito e não saber defender um inocente e de
fazer engenharia e viver escravo dos números), ficou com medo de procurar
emprego.
Nas entrevistas era sempre
descartado, pois ia com medo. Jamais conseguiu emprego, mesmo com a pressão do
pai e da irmã, que lhe obrigavam a prestar concurso público. Tinha medo de ser
funcionário público e viver em greve. E também de não ser efetivado e nunca
ganhar a tão propagada estabilidade.
Não aprendeu a dirigir
porque teve medo de enfrentar o trânsito. Nunca mais se interessou por
mulheres. Desempregado, tinha medo de ser humilhado pela família da namorada
desconhecida. Obviamente, nunca teve filhos. Tinha medo de crianças. Sempre
teve, desde que ele mesmo era criança.
Afrânio já era um homem de
corpo formado, quase se deformando pela gordura abdominal. Mas o medo o impedia
de amadurecer. Chegou aos 40 anos ainda com medo da vida. Procurou um
psicólogo. Descobriu que tinha medo das responsabilidades. E tinha medo de enfrentar o medo.
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