A sirene urrava pela cidade. A ambulância do SAMU costurava o
trânsito em busca de espaço na pista de rolamento para chegar o mais rápido
possível à sua chamada de emergência. Saíra do Centro da cidade, na hora do
rush, em direção a um bairro do subúrbio.
A viagem, que normalmente é feita em
meia hora, demorou duas.
O solicitante do socorro, um rapaz de uns trinta anos, estava
na porta do velho prédio baixo onde morava, desde que nasceu, com a sua mãe,
que era quem estava passando mal. Seu olhar era tenso, apreensivo, vendo a
ambulância, finalmente, entrar na rua de pouco movimento.
A van, branca com detalhes vermelhos e o enorme número 192 –
o telefone da emergência - gravado na lateral, estacionou no meio-fio da
calçada. Desceram, dos bancos da frente, uma bela moça de branco (morena de
olhos e verdes com corpo magro) e um casal de farda caqui. O homem era mulato e
musculoso. A mulher gorda e masculinizada, que em seguida pegou uma prancha de
madeira e coletes no baú. Nas mangas do uniforme de todos, inclusive da bela
moça de branco, que devia ser a médica-chefe do atendimento, via-se, em cada
braço, uma bandeira do Brasil e outra do estado.
A médica bonita se manifesta. O olhar apreensivo do rapaz
solicitante se torna repreensivo e também furioso.
— Recebemos um chamado de atendimento de emergência. É aqui?
— Agora que vocês vieram? Respondeu o rapaz.
— Senhor, o chamado é aqui? Ela insistiu.
— O que vocês acham?
O único homem da equipe sai em defesa da moça e intimida:
— Olha aqui, desrespeitar funcionário público no exercício da
sua função é crime, viu?
— Ah! Negar atendimento não é?
— Nós recebemos muitos trotes. Pela sua reação percebo que
você é um desses autores.
Respondeu a mulher masculinizada, com olhar de
julgamento para o rapaz.
— Ah, tá! Fui eu que passei trote? Minha mãe estava morrendo,
passou cinco horas sem socorro, sem vocês sequer aparecerem e eu que passei
trote? Bradou.
— O senhor se acalme, por favor! Senão vamos chamar a polícia
para te prender por desacato. Ameaçou a mulher masculinizada.
— Eu vou me acalmar sim! Porque agora é tarde demais! A minha mãe morreu na semana passada e vocês me aparecem uma semana depois???? Devem ter tido uma fila enorme
de trotes para atender!
— O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência pede sinceras
desculpas pela demora no atendimento e lamenta a morte da sua querida mãe. Mas
você poderia ter ligado para cancelar a chamada. Esclareceu a médica bonita.
— LIGAR??? FOI UM CUSTO LIGAR PRA VOCÊS PARA SOLICITAR O
ATENDIMENTO, VOCÊS NÂO VIERAM, A MINHA MÃE MORREU E NO DESESPERO QUE EU ESTAVA
VOCÊS ACHAM QUE EU IA ATURAR DUAS HORAS DE ATENDIMENTO ELETRÔNICO!
— Senhor, se acalme! Senão vamos chamar a polícia para
prendê-lo. Já avisamos. Alertou o homem do SAMU, já impaciente.
— EU ESTAVA SOZINHO COM A MINHA MÃE QUANDO ELA PASSOU MAL E
NENHUM TAXISTA QUIS LEVÁ-LA PARA O HOSPITAL PORQUE JÁ VIU QUE ELA JÁ ESTAVA
MORTA! MAS AINDA ESTAVA COM UM POUCO DE VIDA! MINHA IRMÃ CHEGOU MAIS RÁPIDO QUE
VOCÊS DEPOIS QUE EU A CHAMEI, SEUS INCOMPETENTES!!!
Enquanto o rapaz gritava, já aos prantos, a médica bonita ligava
para a polícia. Em cinco minutos apareceu uma patrulha que levou algemado o
desolado jornalista desempregado, de cabelos grandes despenteados, cueca
samba-canção e chinelos, para a delegacia.
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