Será que



Sem cenário.


João entra. Para no meio e olha para a câmera.

“Olá, meu nome é João Machado e sou um ator. Sejam bem-vindos e sintam-se em casa.”

Close em João sorrindo.

“E para não passar esse começo em branco, fica aí um pensamento:”

Close em João erguendo as sobrancelhas.

“Será que o Ray Charles tinha um império?”

(João ri.)

“Entendeu? Ray... Rei.”

Ele dá um tchau e sai.


João está no centro, se lamentando, levantando os braços, demonstrando como ele está triste, sofrendo.

“Estou triste. Muito triste. Ahhh... Quanta dor! Como o mundo é cruel!”

Ele para de se mexer e fica parado, fazendo uma careta.

A-Há! Te peguei, não? Pois é, eu sou um ótimo ator. Já fiz muitos comerciais e filmes... Hã... Curtas, na verdade.”

Fica cabisbaixo, triste.

“Se precisar é só me chamar, estou realmente precisando de um trabalho.”

Sai de cena bem devagar, desanimado.


João está com raiva.

“Quatro dedos! Por quê? Por que só quatro dedos? Já parou pra pensar? Quanta maldade com esses personagens de animações!”

Bradando os braços com raiva. Ele mostra suas mãos.

“Cinco dedos, está vendo? As pessoas têm cinco dedos! Isso é lastimável, lastimável...”


João se senta em um dos bancos do parque. Abre um jornal. Uma pessoa vestida de elefante passa na frente dele. Ele arregala os olhos.

“Uma alucinação?”

Um alien chega ao seu lado e bate em seu ombro.

“Fica tranquilo, foi uma alucinação sim.”


João está sentado no banco do parque. Um estranho de sobretudo entra e senta ao lado de João furtivamente. O estranho entrega um envelope a ele. Ele pega.

“Por que esse mistério todo? É só um roteiro.”

O estranho olha para os dois lados.

“Fica mais dramático.”

“Pelo menos me diga para quem vou trabalhar.”

O estranho tira o chapéu. É uma linda mulher.

“Se eu dissesse eu teria que te matar.”

Close em João sorrindo como um bobo apaixonado.

“Diz então...”

“Olhe para lá.”

João olha para o outro lado. Volta a olhar e vê que a mulher sumiu.


João está andando feliz.

“Consegui o papel!”

João começa a dançar como em Cantando na chuva, dando voltas em um poste de luz. Um caminhão passa e joga água nele.

“Olha só, agora estou quase quem nem no Cantando na chuva.”


João sai de casa. Um homem aproxima-se dele, dá um choque com um taser em seu pescoço e o joga em uma van.


Sala de interrogatório.

João acorda algemado na mesa, assustado.

“O que é isso? Onde estou?”

A mulher de sobretudo entra na sala e senta-se na frente de João.

“Vamos, comece a falar.”

João chora algemado.

“Tudo bem, eu confesso! Falei sobre o projeto para algumas pessoas, nada demais.”

João está sofrendo. A mulher tira de dentro do sobretudo uma caixa. Abre-a e de lá sai um palhaço assustador, balançando.

“Por favor, me bata, faça qualquer coisa, mas tire esse palhaço da minha frente!”

João começa a chorar. A mulher tira o palhaço de brinquedo da frente dele.

“O que vou fazer com você? Você abriu a boca...”

O alien entra na sala.

“Comece tirando as algemas dele, sua maluca.”

O alien parte para cima dela e os dois brigam. Após alguns segundos lutando, o alien tira um gás sonífero e espirra na mulher. Ela apaga. O alien quebra a algema e os dois saem dali.


Os dois estão sentados na escada da casa de João, cada um com um copo de café e um sanduíche.

“Você não era mesmo uma alucinação. Obrigado por me salvar.”

“De nada.”

“E aquela doida, quem era?”

“Só uma doida. Às vezes é só o que a pessoa é. Doida. Esquece isso e toma o seu café.”

João dá de ombros e sorri, feliz. O alien olha para ele. Os dois tomam café e comem seus lanches.

“Ei, você acha que o Ray Charles tinha um império?”

João ri da própria piada sem graça.

“Entendeu? Ray... Rei.”

O Alien não ri, faz cara de quem não entendeu.


Um homem faz sua corrida diária. Vê um homem sentado na escada da varanda tomando café e falando sozinho. Continua a correr.


Conto de Lucas Beça

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