Conto de Gustavo do Carmo
Tirou notas baixas o ano inteiro. Comportou-se muito mal durante o
período letivo. Pedrinho acabou ficando em recuperação. Seus pais exigiam que
ele passasse de ano. Recebia bolsa parcial para estudar porque o seu pai estava
achando o colégio particular muito caro.
Veio o dia da prova. O professor, daqueles de cabelo comprido, barba até
o peito, muito magro, olhos azuis, que só vestia vermelho e andava de saia e
chinelos, escreveu no quadro:
“Fazer uma dissertação sobre o Golpe de Estado que o Brasil sofreu este
ano”.
Revoltado, ele questionou o professor:
— Professor, que golpe de estado sofremos este ano?
— Você passou o ano inteiro brincando, na molecagem e nem viu ou leu os
jornais, né?
— Jornais realmente eu não li, professor! Estão todos corrompidos pela
esquerda. Eu conversei foi muito com o meu avô, que viveu no regime militar.
O professor bateu forte na mesa e gritou!
— Então o viés golpista está no sangue! Você apoia o golpe!
Mais indignado ainda, Pedrinho repetiu o gesto do professor e também
bateu na mesa, gritando:
— Não houve golpe nenhum! O que houve foi um processo democrático de
impeachment, motivado pela má administração da PresidentE (ele enalteceu a
letra E no final) da República e não presidenta como vocês jumentos
gostam de falar! Ela cometeu crime de responsabilidade fiscal! Vocês da
esquerda que fizeram uma manobra para preservar os falsos direitos políticos
dela! Para que ela possa voltar como senadora ou ministra em uma eventual eleição
antecipada que vocês estão tramando para derrubar o vice-presidente, que foi
eleito democraticamente junto com ela! Vocês esquerdistas estão doutrinando as
escolas! Por isso que eu não estudei nada este ano! Preferi, sim, ficar na
molecagem da internet, da televisão culta a esse lixo de inversão de valores
que vocês estão ensinando! Só sexo, drogas, vadiagem, vitimização excessiva,
luta de classes, raças e opções sexuais na mídia! O verdadeiro golpe quem deu
foi o PT! E eu quero mais é que tenha um novo regime militar, para botar ordem
nesse país governado por ladrões, como aquele barbudo salafrário, que é quem
está tramando para voltar ao poder! Se não fosse o impeachment o Brasil viraria
uma Venezuela e, quiçá, uma Cuba! Eu prefiro levar zero e repetir de ano a
sofrer lavagem cerebral de um método comunista de ensino!
Logo foi vaiado por todos os seus colegas!
— Chega! Você está expulso dessa escola!
— Ótimo! Obrigado!
Pedrinho saiu da sala, batendo a porta, ao som de risos e vaias dos seus
colegas. Chegou em casa e comunicou aos pais que foi expulso da escola porque
não queria fazer redação defendendo governo socialista. Levou imediatamente uma
surra do pai, que falou depois:
— Seu burro! Imbecil! Onde é que você vai estudar agora? Todas as
escolas estão assim! Você vai crescer sem estudar para ficar igual ao
ex-presidente ladrão e a ex-presidenta incompetenta? Tem que ser político! Eu
já falei mil vezes! Mas você não vai ficar sem estudar! Vai para uma escola
pública, sim! Onde vai viver em greve, motivada por esse mesmo tipo de
professor! Vai estudar durante o verão, sem ar condicionado, para repor as
aulas que ficaram suspensas durante a greve!
O pai de Pedrinho ficou uma semana sem falar com ele. Voltou a falar
somente no Natal, quando, de cabeça fria, se desculpou, o elogiou, não pela sua
posição política, mas pela sua argumentação, e deu o notebook de presente que
ele pediu. Na semana seguinte, o matriculou no Colégio Militar, a pedido do
próprio filho, que voltou uma série, mas nunca mais repetiu de ano.
Tornou-se militar, casou-se e teve dois filhos. Pedro e os meninos
viraram políticos de extrema-direita e foram ridicularizados pela mídia
vermelha. Mesmo assim, dizia orgulhoso:
— Obrigado, papai!
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