OBRIGADO, MIGUEL! - NÃO PRECISA DE VIOLÊNCIA COM MULHERES DE CATEGORIA. MESMO SENDO BRASILEIRAS.



de Miguel Angel 

Depois de dias de saques e degolas, fuzilamentos e violações, a fazenda de D. Eduardo Antunes teve o azar de cruzar o caminho do coronel paraguaio Barrios, condutor da bem sucedida invasão. Avistando a sede da fazenda, o coronel ordenou a tropa avançar pela propriedade, cercar todo gado à vista e invadir a casa sede. Sem nenhum oponente de monta, a missão foi concluída em poucas horas; o mandante estrangeiro foi chegando à residência, encontrando-a quase coberta pela fumaça dos incêndios nos pastos, estrebarias e manjedouras; a um canto do edifício, alguns prisioneiros, a maioria de pretos idosos, já reunidos em grupo, esperam apreensivos. O coronel deteve seu cavalo à frente da sede a contemplar o sucesso da empreitada. Subitamente, do seu interior, surgiu um homem encanecido, de garrucha e peito aberto se postando na sua frente e, apontando a arma ao comandante, ordenou raivoso:


– Saiam de minhas terras, seus paraguaios de merda!

A coronhada dada por um diligente soldado o lançou por terra aos pés do chefe invasor, junto com a garrucha depressa inutilizada a botadas. A valentia impertinente o condenou ao açoite como inicio de exemplo aos pretendentes a ousados, e depois ao fuzilamento, junto com todos os outros prisioneiros ali reunidos.

– Senhor coronel! Peço-lhe em nome de Nossa Senhora. – suplicou de braços abertos a mulher branca que surgiu do grupo, arrastando uma velha senhora agarrada à saia, tentando detê-la; assustado, o cavalo do Coronel recuou com o imprevisto e no bamboleio o paraguaio desequilibrou-se e teve de segurar-se na sela. Súbito, um soldado adiantou-se e agarrou o braço da mulher com a intenção de quebrá-lo, mas o coronel o deteve com um gesto.
– Quem me enfrenta? – perguntou o oficial nervoso, do alto de sua montaria. O soldado levantou o rosto da mulher puxando-a pelo cabelo expondo seu rosto à pergunta.
– Meu nome é Raquel. Sou filha daquele varão que o senhor mandou açoitar e fuzilar.
– Porque merece! Quem vai me impedir?
– Não serei eu, senhor! Mas, Deus! E a justiça dos homens justos e cristãos.
– Onde estão eles? No Mato Grosso? No Brasil? – zombou o oficial e a soldadesca gargalhou ruidosamente.
– Não senhor. Quero crer que na minha frente!
– Silêncio! – ordenou num grito o coronel.

A soldadesca calou. A mulher mais velha, apavorada, insistia em tirar a outra dali. Mas esta, esquivando-se no empurra-empurra, deixou acidentalmente a idosa ir ao chão.

– Quem é essa velha? – vociferou o paraguaio, incomodado com a interrupção.
– Minha mãe, senhor. – respondeu a mulher, ajudando-a a levantar-se. E continuou valente. – Uma velha cristã que o senhor mandou fuzilar!
O oficial hesitou um segundo.
– Mandei?... Sim!
E concluiu categórico:
– Inimigo se fuzila!
– Esse velho, estas mulheres e aqueles velhos escravos, são seus inimigos, senhor?
– Todos os brasileiros são!
– O Brasil está repleto deles, senhor. Vai fuzilar todos!
– Como fiz com todos os abusados que apareceram na minha frente!
– Estou na sua frente. Mas poupe minha família.
– Atrevida! – mordeu o oficial desmontando, desembainhou a espada e acercou-se dela. Nas faces incendidas da mulher e no porte, altivez; na mirada, repulsão. Nesse instante, uma jovem mulher surgiu do interior da casa e atabalhoadamente juntou-se às outras.
– Outra louca? Quem é essa? – quis saber o invasor, surpreso.
– Volta pra dentro Beatriz! – ordenou apreensiva a chamada Raquel, forcejando para apartá-la de si.

O militar olhou-a detidamente demonstrando o apreço pela bela mocidade que via, e concluiu:

– Sua irmã, parece. – Embainhando a espada, chamou: – Tenente! – O solicitado perfilou-se. – Quero essa mulher hoje na minha barraca. Vou ensinar a estas brasileirinhas atrevidas a comportar-se diante de uma autoridade paraguaia.
– Si, senhor! Qual delas? – confundiu-se o oficial.
– Estúpido! Escolha!

O tenente agarrou a mais jovem com brutalidade. – O superior o conteve com um berro:

– Comporte-se, tenente! Cortesia é a mais evidente prova de civilização de um exército. Não quero que andem dizendo que os paraguaios são mal educados. Não precisa de violência com mulheres de categoria. Mesmo sendo brasileiras.
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Do romance: Moscas e Aranhas de Guerra

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