de Miguel Angel
(...)E quando contara do assédio daquele enfermeiro, quando chegara a tombá-la numa cama, botando praticamente tudo para fora das calças e só não a estuprara porque alguém aparecera? (Na verdade nem chegara a tanto, e o enfermeiro não era enfermeiro e tinha nome, Lívio. Tinha-a ajudado a se deitar em cama provisoriamente vazia, sensibilizado com seu cansaço. Sentara na cadeira ao lado, alisara seus cabelos, brincara de canção de ninar em seu ouvido, intercalada com palavras amorosas que aos poucos foram se tornando confissão: gostava muito dela, o excitava desde o principio. E os lábios dele encostaram-se aos seus; abriu a boca permitindo a língua brincar com a dela. Mais por lassidão deixou a mão dele abrir a blusa, apartar o sutiã, afagar os mamilos. Era doce descansar assim, relaxar após tanto sangue e estrondo, dona de certos direitos que podia exercer. Gratificante e deleitoso sentir aquela língua quente roçando nos mamilos, a boca sugando-os. De repente veio à lembrança outra boca babenta fazendo o mesmo num domingo qualquer, há muito tempo, fazendo-a reagir, levantar e sair quase correndo... Claro, não contou a Lauro, preferiu omitir detalhes e nomes, assim, no anonimato, parecia mais perigoso, mais dramático... e ela menos puta!) "A atriz deve trabalhar a vida inteira, cultivar seu espírito, treinar sistematicamente os seus dons.” Lauro comentara pouco ou nada. Quão lacônico era aquele amor. Por onde andava Lauro? Sabia onde fisicamente, pelo menos por enquanto - ninguém podia saber com exatidão o que aconteceria naquela guerra no dia seguinte -, mas onde em espírito? Com quem? Uma outra mulher? Seria bom se fosse, uma coisa real, com cabelos sedosos com certeza -, voz e corpo, enfim. Saberia como agir, falar. Não. Não era outra mulher. Nada muito concreto. No inicio, toda vez que tocava no assunto, ele escapulia, mudando de conversa. Isso também a aborrecia! Mentia se lhe perguntavam, dizendo seu noivo se encontrar lutando no front. Qual front? O único front conhecido era o bar, a Livraria Teixeira, o cinema. E Fausto. Estaria perdendo Lauro ou era ele o perdido? Não via o povo nas ruas gritando, lutando e até morrendo? Só se falava nisso:
a Revolução Constitucionalista Paulista! A traição de Miguel Costa, Vargas, Góis, o salvador Euclides Figueiredo... Isso não era mais importante que as lições de interpretação? ("Não, a arte fica e as revoluções passam, emporcalhando de sangue inocente a História, sem nunca conseguirem justificar ou alcançar o ideal que as motivou.”) Ou, então o que? Talvez por causa do aborto? Fora de comum acordo. Quando o médico amigo de Lívio terminara o serviço, Lauro nem parecera muito preocupado. Bem, sim. Foi carinhoso e atencioso. No entanto, Lívio foi mais.(...)
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Fragmento do romance "A Cena Muda" de Miguel Angel Fernandez
1 Comentários
Vale mais!
Eheheheh!!!!
Abraços deste lado do Atlântico!