Marcelo atravessou o portão da casa de
Lívia. Tirou um cigarro do bolso da jaqueta e acendeu. Soltou a fumaça e
começou a andar. Uma mulher de terninho colado no corpo passou por ele. Ele
virou a cabeça para dar uma olhada. Ao voltar para frente uma senhora que
estava colocando o lixo pra fora o olhou com desaprovação.
Ao passar por ela ouviu-a dizer.
Você devia se envergonhar. Você e
aquela sua namorada.
Ele parou, virou-se e olhou a senhora
fixamente. Apenas suspirou e continuou a andar. Tirou o cigarro da boca e mesmo
faltando mais da metade para queimar jogou-o no quintal dela.
Ouviu-a xingando baixinho enquanto
virava a esquina.
Atravessou a avenida e entrou na
padaria. Sentou-se no banquinho.
Na televisão suspensa o jornal da manhã
passava os gols da semana. Ficou assistindo por um momento até que um dos
atendentes aproximou-se.
Bom dia. O que vai querer?
Hã... Tem pão fresco?
Tem sim chefia. Acabou de sair.
Tá, então me vê meia dúzia.
O que mais?
Vê uma cerveja também.
Cerveja?
É... cerveja, vem em lata, garrafa, eu
quero uma lata, se não for incômodo.
O homem olhou feio para Marcelo.
Mas é que... são seis da manhã.
E?
E eu acho que você não devia...
Marcelo suspirou. Não acreditava que
estava levando sermão do cara da padaria.
Olha aqui, você vai ali no freezer,
pega uma latinha de cerveja pra mim e depois vai lá e pega meia dúzia de pão,
ok? Se eu quiser tomar uma cerveja às seis da manhã ou às três da tarde num
sábado, o problema é meu. Pode ser?
Olha, eu não quero me meter na sua vida
nem nada, mas às vezes você vem aqui e toma cerveja de manhã, antes de ir pro
trabalho, acho que seria melhor...
Vou te cortar agora. Posso te fazer uma
pergunta?
O homem hesitou.
Hã... sim.
Qual o meu nome?
Hã...
É, não sabe né?
Não, acho que não.
Pois é. E você vem aqui me dar lição de
moral me dizer que eu estou abusando do álcool? Sério mesmo?
Ah... não, não, é que... mas você também
não sabe o meu.
Eu sei. É Jonas. Toda vez que você faz
merda aqui o seu patrão grita lá do outro lado: “Ô Jonas, vem aqui fazfavor”.
Talvez eu deva chamar ele agora.
Não, não, não, por favor, eu já vou
trazer a sua cerveja.
Valeu.
Marcelo virou-se para a tevê novamente,
balançando a cabeça. Agora estava passando os gols do jogo que ele assistiu na
noite passada.
Mas olha só quem está aqui. Se não é o
grande Marcelo!
O senhor deu dois tapinhas amigos nas
costas de Marcelo com a mão esquerda, enquanto a direita estava estendida.
Marcelo o cumprimentou.
Opa, tudo bom Irajá, como é que tá?
Tudo certo.
Irajá encostou-se no balcão.
E aí, viu o jogo ontem?
Pior que eu vi.
Caraio, esse seu time, hein?
Ah, mas não adianta, seu Irajá. É
aquilo que eu falo. Não tem meio de campo.
Pior que é. E aquele técnico? Tirar
aquele meia argentino aos 30 do 1º tempo. Pô, pelo menos deixa o cara terminar
o primeiro tempo.
É, mas vai falar isso pra ele. O cara é
maluco.
O atendente colocou a lata de cerveja
no balcão. Irajá olhou para a lata e ficou em silêncio, desviando o olhar.
E pro senhor?
Ah, 10 pãezinhos.
10 pãezinhos.
O atendente repetiu o pedido e saiu de
perto. Marcelo abriu a latinha.
Vai uma?
Não, não. deixa pra outra hora.
Eles ficaram em silêncio. Marcelo tomou
o primeiro gole e pôs a lata de volta no balcão.
Então, e aquele ataque, hein, Marcelo?
Nem me fale. São ruim pra cacete. E o
meio de campo não consegue fazer a bola chegar nos atacantes, aí perde, erra o
passe, dá de bandeja pro outro time e toma-lhe contra-ataque.
É, o gol saiu de contra-ataque.
Marcelo tomou outro gole.
Não adianta, Irajá, desse jeito não vai
subir não.
Pior que é mesmo.
O atendente trouxe os dois sacos de
pão. Colocou o do Marcelo no balcão e entregou nas mãos o do senhor Irajá,
junto com a comanda.
Só isso mesmo?
Só. Só isso. Brigado.
O atendente saiu. Outro cliente havia
chegado.
Bom, vô indo lá, Marcelo.
Os dois apertaram as mãos.
Falou.
O senhor foi em direção ao caixa. Havia
apenas uma pessoa na fila, então foi embora rapidamente. Marcelo ficou
observando-o enquanto tomava sua cerveja.
Ao terminá-la Marcelo amassou a lata e
jogou-a no lixo embaixo do balcão.
Levantou-se e chamou Jonas com a mão.
Mais alguma coisa?
Não, só isso mesmo.
Jonas entregou a comanda a ele. Marcelo
pegou o saco e andou em direção ao caixa.
Ao chegar sua vez, ele deu a comanda e
disse.
Me vê um caixa de fósforo também.
Qual?
Da mais barata mesmo.
O caixa entregou o fósforo.
Vai cigarro hoje também?
Não, ainda tem bastante. Tô tentando
parar.
Pô, aí você me quebra as pernas.
Disse o caixa dando uma risada.
Marcelo apenas sorriu.
Pagou e saiu da padaria.
Sétimo capítulo do conto de Lucas Beça
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