APARTAMENTO VAZIO


Por Gustavo do Carmo


Estou sozinho num apartamento vazio. Num apartamento sem móveis. Meu sofá e minha mesa são o chão, que também faz papel de guarda-roupas no quarto. Durmo numa colchonete rasa e pequena. A janela de esquadria de madeira é a minha televisão de válvula. O falatório dos vizinhos é o meu rádio. Aqui tem cozinha, mas não tem fogão, nem geladeira. Eu como na rua.


Estou aqui faz seis meses. Vim para trabalhar em uma revista de carros, realizar o meu sonho de ser repórter automotivo. Recebo pouco e ainda não consegui juntar dinheiro para comprar os móveis. Pelo menos os da cozinha. Com o que eu ganho almoço fora. E por falar em rua, descubro, pela decoração das lojas e casas, que já é Natal.

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Tá bom! Eu tenho calendário. Afinal, sou jornalista. É claro que eu sei que já estamos em dezembro. Mas é verdade que o ano passou muito rápido e o Natal já está na porta de todas as casas. Menos a minha.

Dizer que a janela velha é a minha televisão e a vizinhança é o rádio foi exagero. Apenas uma metáfora, uma licença poética, um enfeite literário. Eu assisto televisão e ouço rádio no meu celular. Uma lembrança dos meus tempos de filho mimado no Rio de Janeiro, de onde vim.

Mas realmente ainda não tenho fogão e geladeira. Por opção. Não sei cozinhar e também não gosto. Sou um péssimo cozinheiro. Como já disse, faço minhas refeições na rua. As minhas roupas são lavadas na lavanderia da esquina. E é isso, além das despesas do celular, da luz (que uso pouco), do aluguel e do condomínio.

Estou em São Paulo. Doido para ter recesso e passar o Natal no Rio. Outro motivo que me fez manter o meu apartamento vazio é que eu não quero criar raízes aqui. Vim só para fazer o meu pé-de-meia e depois pedir transferência de volta para a cidade onde nasci e passei trinta anos da minha vida.

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Agora fiquei sabendo que eu não vou ter folga no Natal. Fiquei indignado. Parece que foi implicância do chefe, que sabe que eu não gosto de São Paulo. Parece não. É! Revista de carro não tem necessidade de plantão. Mas tudo bem. Depois do Natal eu peço demissão.

Só não pedi agora porque os meus pais disseram que iam fazer retiro espiritual em Aparecida. E eu não sou muito religioso, embora ainda me considere católico. A minha irmã iria viajar em lua-de-mel com o marido. Mesmo se eu ganhasse folga não ia passar o Natal sozinho.

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Mas era tudo desculpa. Eles vieram passar comigo em São Paulo. Chegaram na antevéspera com móveis: cama, armário, mesa, mesa de centro, sofá, televisão, fogão, geladeira, etc. Tudo de presente. Foi um verdadeiro milagre de Natal, como naqueles filmes em que pessoas solitárias recebem visitas inesperadas. Minhas primas também vieram.



Passei um Natal melhor dos que eu tive na minha infância. Muita alegria e muita diversão. Ri e chorei muito, também. Hoje pedi demissão e estou na rodoviária esperando o ônibus da meia-noite para voltar ao Rio de Janeiro. De vez.

Eu e os colaboradores do Tudo Cultural desejamos aos leitores um Feliz Natal! Semana que vem tem o microconto de ano novo.

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