- Eu cansei de fugir.
Ana disse isso e olhou nos olhos de Américo. Parou. Desviou o
olhar para o chão.
- Chega.
Ela respirou fundo.
- Disso, eu sempre faço isso. Sempre que as coisas dão errado eu
entro num avião e desapareço por duas semanas.
- É... Às vezes muito mais que duas semanas.
- Então, isso mesmo. Eu tenho quase trinta, nunca fiz nada direito
na vida, tenho um monte de relacionamentos mal resolvidos, e tirando você e o
Júlio, eu não tenho mais ninguém. Minha família não quer nem saber de mim... O
que eu também não culpo eles, eu fiz por onde... Mas eu realmente tô cansada de
tudo isso. Tô cansada de ficar recomeçando, sabe...
- Sei. Sei sim, Ana.
Eles pararam. Américo levantou-se e foi até a pia da cozinha.
Encheu um copo d'água e entregou a Ana. Sentou-se novamente à mesa de jantar.
- Obrigada.
Ela tomou um gole.
- Sabe o que é pior?
Ele não respondeu. Olhou-a levantando as sobrancelhas.
- A minha vida inteira se resume àquela mala ali na sala - ela deu
uma risada amarga. - Que patético.
- Ei, não fala assim.
- Mas é verdade. - Ela tomou outro gole de água. - Às vezes eu
fico pensando: “E se eu tivesse ficado aquela vez”, “e se eu tivesse tentado um
pouco mais.” “E se eu não tivesse desistido tão fácil...”
- Bom, isso não é saudável.
- É...
Ana ficou encarando o copo pela metade por alguns segundos. Olhou
para o relógio pendurado sobre a porta que separa a cozinha da sala do apartamento.
Já eram quase onze horas da noite.
- Nossa, olha que horas já são. Meu Deus. E eu aqui, te alugando.
- Não esquenta. Hã... Você quer tomar um banho, descansar...?
Parece cansada. Tá com as olheiras fundas.
- Também, quase vinte horas balançando dentro de um ônibus...
- He, he... Bom, eu vou pegar uma toalha e estender o
colchão no quartinho pra você, pode ser?
- Brigada, Américo. Que nem você não tem outro.
- Ainda bem - disse ele levantando-se e indo em direção ao mini
corredor do apartamento.
Conto de
Lucas Beça
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