Conto de Gustavo do Carmo
O banco estava movimentado.
Era o primeiro dia útil depois do carnaval, quando o ano realmente começa.
Prudêncio encaminhou-se normalmente para a porta giratória. E normalmente ficou
preso nela, ativada pelo detector de metais.
Andou de costas, parou atrás
da faixa amarela - como o vigilante sempre orienta - e tirou moedas, chaves e o
seu celular do bolso. Voltou para a
porta. Novamente ela travou. O vigilante o interpelou:
— Tem alguma coisa dentro da
sua bolsa? Chave? Guarda-chuva?
— Não, senhor. Olha aqui.
E Prudêncio mostrou a sua
bolsa para o guarda, que só tinha alguns boletos e um maço de dinheiro.
— Coloca naquela caixa ali,
por favor.
O sofrido cliente obedeceu
ao vigilante e colocou a bolsa. Voltou para atrás da faixa amarela, tentou
ultrapassar a porta, mas ela novamente travou. Perdeu a paciência.
— Porra! Assim não dá! Eu
sou um cidadão querendo pagar as minhas contas e ainda sou barrado? É porque eu
sou negro, né? Isso é racismo! Eu vou processar esse banco!
— Fica calmo que não é nada
disso!
Atrás dele, a fila de
clientes já começava a vazar para a rua. O povo impaciente reclamava:
— Entra logo aí, porra!
— Libera ele logo! Eu estou
com pressa!
— O ladrão deve ter entrada
especial!
E Prudêncio repetiu essa
última frase com outras palavras:
— O ladrão passa rapidinho,
né? É só apontar uma arma que vocês liberam.
— Não passa, não!
Depois de mais um bloqueio
ele decidiu, já levantando a barra da camisa e tirando o cinto:
— Eu vou tirar a minha
roupa, então!
— Não faça isso!
A multidão que já se formava
no hall dos caixas eletrônicos, ao ver o cliente se preparando para se despir,
começou a gritar:
— TIRA! TIRA! TIRA!
Ele continuou:
— Vou fazer, sim! Porque
vestido eu não consigo passar.
Prudêncio tirou quase toda a
roupa e ficou só de cueca, para delírio dos outros clientes, que começaram a
aplaudir. Uma senhorinha ainda lhe sugeriu:
— Processa esse banco,
mesmo! Eles estão ricos, cobram juros e taxas altíssimas e ainda humilham a
gente.
Além da multidão de clientes
também aplaudindo que também se formou no interior da agência, uma junta de
funcionários, formada por caixas e gerentes se reuniu e resolveu autorizar a
entrada de Prudêncio sem nenhuma retaliação. O vigilante desativou o detector
de metais e avisou:
— Pode entrar, senhor. Mas
vista-se, por favor.
Enquanto recolhia as suas
roupas e voltava a se vestir, resmungava, indiferente aos aplausos dos
frequentadores do banco:
— Eu vou processar esse
banco. Pelo constrangimento e por racismo. Pois só fui bloqueado porque sou
negro.
Já vestido, finalmente,
passou pela porta giratória e recolheu os seus pertences na caixa de acrílico.
Colocou a alça da bolsa sobre o ombro, atravessando o peito.
O gerente tentava lhe acalmar:
— Calma, calma.
Desculpe-nos. São os procedimentos de segurança do banco. Você precisa
respeitar.
— Isso é preconceito!
— Não é não. Somos rígidos
com todos.
Entrou na fila. Esperou a
sua vez, quase pacientemente. Já estava se estressando de novo ao ver que só
havia um caixa atendendo. Depois de uma hora, chegou a sua vez. Rasgou uma
costura falsa da bolsa, tirou uma arma, apontou para o caixa e anunciou o
assalto. O pavor tomou conta dos
funcionários do banco e dos mesmos clientes que o aplaudiram na entrada.
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