Conto de Gustavo do Carmo
Não ficou muito tempo desempregado. Logo que saiu da obra foi esfriar a cabeça em um botequim de Botafogo, bairro onde Agostino, Elielton e outros cinquenta pedreiros erguiam o prédio residencial de oito andares.
Evangélico, Agostino não bebia e pediu um refrigerante no bar quando uma mulher de meia idade, um pouco gorda, mas bonita de rosto, com cabelos longos e desgrenhados sentou-se ao seu lado no balcão e pediu uma dose de cachaça.
Sem ter o que fazer Agostino ficou encarando a mulher que, incomodada com a observação alheia perguntou, mal-humorada:
— Tá me olhando por quê? Tá me achando feia?
— Não. Pelo contrário.
— Tá me cantando, é? Não sou chegada a homem não. Sou sapata com muito orgulho.
— É a sua voz que é muito bonita. Já pensou em cantar?
— Que cantar o quê? Não tenho dom pra isso não.
— Quem te garante que não?
— Eu. Tu tá muito chato! Eu nem te conheço, vim tomar minha pinga em paz e tu fica me perturbando pra cantar! Ah! Vai tomar banho! Tá querendo o quê?
— Bom, eu queria te ajudar. Mas se você não quer, não vou fazer mais nada.
A moça ri de deboche e provoca:
— Tu não tem cara de empresário porra nenhuma! Tu tem cara do maior 171!
— Se não quer ser ajudada, tudo bem! Mas não precisa me ofender, tá?
— Eu não quis te ofender, porra! Eu só não confio na sua cara! Nunca te vi mais gordo e você vem dizendo que quer ser meu empresário sem eu ter mostrado talento algum? Se não é 171 é maluco.
— Está bem. Está perdoada. Eu só quero ter o prazer de descobrir o talento de alguém.
— Por que não descobre o seu então, pô!?
— Porque eu não tenho talento algum. Aliás, por causa de duas pessoas não tenho talento nem para descobrir talento. Tentei descobrir um sanfoneiro e na filha dele uma jogadora de vôlei. Os dois me fizeram passar vexame. Acabei de brigar com o cara e agora estou desempregado.
A mulher, já bêbada, dá um sorriso sarcástico antes de descobrir a pólvora.
— Aaaaah! Já saquei! Tu tá precisssando de dinheiro! Por que não vai trabalhar? Por que, ao invés de ficar aqui bebeeeendo como eu, não vai procurar um emprego?
— O álcool já está fazendo efeito na sua atenção. Eu não disse que acabei de ser demitido?
— E daí? Sai de um emprego e vai procurar outro. Não tem nada demais.
— Ah! Amanhã eu procuro. Hoje estou cansado. Vou pra casa. Dá licença.
Agostino levantou-se do banquinho do balcão, deixou uns trocados para pagar o refrigerante e se preparava para deixar o botequim quando teve o braço segurado pela mulher que bebia.
— Peraí! Tu quer trabalhar mesmo? Me leva pro trabalho porque eu já estou tonta. Eu te apresento ao Moreira, meu patrão, te explico o meu trabalho e você o termina pra mim. Depois tu me leva pra casa, tá resolvido?
— Está, mas me diz o seu nome, por favor?
— Martina.
— Prazer, Agostino.
Meia hora depois Martina chegou ao trabalho, uma pequena corretora de imóveis no quarto andar de um prédio comercial na Rua São Clemente. Com voz embriagada ela se aproximou de sua mesa, onde estavam vários papéis bagunçados, dois copos cheios de canetas e clipes, um monitor de computador e um telefone com fio. Explicou:
— Ó, tu vai ter que atender o telefooone. Arrumar esses papéeeis e fazer essas cooontas aqui. Pode começar ffffazendo agora que eu vou dar uma dormiiida aqui no sofá para tu me levar depois em casa.
Enquanto Martina mal conseguia se equilibrar de pé, o gerente Moreira saiu de sua sala bufando e berrando:
— MARTINA! VOCÊ VOLTOU BÊBADA DO ALMOÇO DE NOVO?!
— Voltei sim! E daí? Vou trabalhar bêbada para não me estressar com as suas cobranças! Tu é muito chato!
— MAS NÃO VAI MESMO! VOCÊ ESTÁ DESPEDIDA!
— Ooooba! Não preciso mais aturar a sua cara. Aliás, eu só voltei aqui para pedir demisssão e indicar esse meu amigo, o Dezembrino, para o meu lugar. Ele é inteligente, tem estudo e é comunicativo.
— É Agostino, senhora.
— Ah! É tudo mês do ano! Mas senhora é a sua mãe.
Mais cordial, Moreira pede para Agostino:
— Você me faz um favor? Leva essa alcóolatra pra casa dela? Amanhã o senhor pode voltar aqui e fazer um teste.
Martina saiu cantando “O Bêbado e o Equilibrista”, de Elis Regina.
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