— Alô?
— Bom dia, senhor Henrique. Quem tá falando é Aline, do Inferno.
— Perdão?
— Isso é alguma brincadeira? Como conseguiu esse número?
— Não, senhor. Nós aqui do Inferno trabalhamos com bastante seriedade. Em nosso cadastro consta o número de telefone e email de todos os humanos vivos.
— Telemarketing no inferno? Você só pode tá brincando comigo.
— Não, senhor Henrique. Onde o senhor acha que surgiu o telemarketing? Se o senhor desejar eu posso confirmar seu cadastro.
— Como, se eu não tenho cadastro no inferno?
— Senhor Henrique Martins, 37 anos, CPF 427.***.792-76, tipo sangüíneo A. morador da Rua Silas Freire, 45, bairro Colorado. Casado com Emília Barros e possuindo três filhos, Lucas, de 7 anos....
— Essas informações podem ser encontradas em qualquer lugar.
— Ok, já que precisa de mais confirmações: o senhor possui uma mancha marrom parecida com uma pêra na nádega esquerda, se masturbou com uma foto da sua mãe de bikini quando o senhor tinha dez anos de idade e atualmente trai sua esposa com a moça de 25 anos que faz as unhas dela no salão de beleza.
— Escute aqui! O que você pretende com isso?
— Nada, senhor Henrique. Essas informações ficam conosco apenas para uso da confirmação do cadastro caso a pessoa solicite. O objetivo dessa ligação é lhe informar sobre os benefícios de seu novo plano, caso o senhor o adquira.
— De que plano você tá falando?
— Cada pessoa adquire um plano aqui no Inferno quando comete um erro. O plano padrão é dado automaticamente depois do primeiro erro consciente da pessoa. No seu caso o plano atualmente é o Bestial Ouro, mas o senhor poderá estar adquirindo o próximo, Coprofagia Prata, ao cometer o próximo erro e por isso estamos lhe ligando pra informar sobre o ele.
— Erro? Eu sou ateu! Nem no inferno eu acredito! Em que você baseia esses erros?
— Bem, senhor Henrique, são leis bastante antigas e eu não tenho muitas informações sobre elas, mas garanto que já faz um bom tempo que não são revisadas. E elas existem independente de suas crenças ou a falta delas. O senhor poderá estar adquirindo mais informações ligando pro SAC da vida.
— Que merda toda é essa que você tá falando? Eu tô é perdendo tempo com você.
— Não, senhor Henrique. Todo dia fazemos um sorteio onde uma pessoa é escolhida pra ser informada de seu plano ou alguma novidade sobre ele. O senhor foi o sortudo de hoje. Gostaria de saber como é o plano?
— Sortudo. Sei. Diga logo que porra de plano é esse.
— Bem, como eu falei, atualmente o senhor possui o plano Bestial Ouro, que lhe permitirá, depois da sua morte, passar o resto da eternidade vivendo como um animal aqui no nosso zoo. Nesse seu plano o senhor recebe comida unicamente nos fins de semana. Durante a semana seu alimento é dado pelos visitantes. o senhor teria direito a banho, mas o fato de ter roubado dinheiro mês passado de um de seus funcionários fez perder esse benefício. O seu novo plano, caso cometa o próximo erro, o colocará em outro setor. O senhor vai passar pra a equipe de limpeza nos banheiros daqui.
— Pera ai. Antes de continuar, me diga de que erro você tá falando.
— Bem, existe um limite pra traições e o senhor já traiu sua mulher 24 vezes com a moça do salão. Mais uma e o senhor estará adquirindo o novo plano.
— Então só se pode trair 25 vezes?
— Exato.
— Quem diabos fez essas leis?
— Não sei, mas posso garantir que não foi nenhum diabo, senhor.
— Ok. Continue. Me fale dos novos "benefícios".
— Então...
— Pera. Você disse que se eu continuar traindo minha esposa eu vou trabalhar no banheiro?
— Sim e é bom o senhor pensar bastante sobre isso, pois não lhe resta muito tempo.
— Como assim? Você sabe quando eu vou morrer? E tá perto?
— Não, não, não temos o poder de saber o futuro. Apenas sabemos como a pessoa vai morrer baseado em um algoritmo criado aqui e com 99% de eficácia e precisão.
— Então?
— Bem, após diagnosticado, os pacientes com câncer nos ossos não sobrevive muito tempo.
— OH MEU DEUS.
— Deus, se for diagnosticado em qualquer mente e for submetido a exames racionais também não sobrevive muito tempo.
— Como você é piadista, Aline. Você já foi humana?
— Oh não, senhor. Não me parece muito agradável. Eu sou um demônio fêmea de origem suméria.
— Eu não acredito que isso esteja acontecendo. Mas pera aí. No inferno tem banheiro?
— Sim. é um lugar bem espaçoso, inclusive. Pra lá vão todas as merdas que os seres humanos fazem. Fezes, urina, esperma desperdiçado, declarações do Danilo Gentili, edições da Veja, essas coisas.
— Sei. E o que eu farei lá, caso traia minha mulher de novo?
— Limpará o lugar. E é ai onde entram seus benefícios, segundo algumas escolhas suas. Se o senhor contar pra sua esposa que a está traindo, poderá ter folga nos fins de semana e feriados. E se o senhor não se encontrar mais com sua amante, o senhor pode ter uma limpeza de língua por semana.
— Limpeza de língua? Pra que?
— É que a limpeza no banheiro é feita com a língua, senhor. Aliás, se quiser um conselho, cuidado com a área da China no banheiro. Aquele povo come cada coisa.
— Que nojo!
— Pensei que o senhor sabia o significado de coprofagia.
— Ok, ok. Não tem algo que eu possa fazer pra mudar minha situação? Sei lá. Uma penitência. Algo que me faça ir pro Céu?
— Pra onde, senhor?
— Pro Céu.
— O Céu não existe, senhor. Isso é uma crença falsa de algumas religiões. Não é à toa que a literatura antiga tenha tantos detalhes e descrições exaustivas apenas sobre o inferno. Mas considerando o seu futuro, caso o senhor pule a cerca mais uma vez, acho que ai onde o senhor está já pode chamar de Céu.
Hemerson Miranda
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