Conto
de Gustavo do Carmo
Por obra do acaso e com muita
sorte, Felício conseguiu ter uma noite de amor com a jornalista mais bonita da
televisão. Ela já beirava os quarenta e tinha um filho de seis anos. Deyse
Sacramento apresentava o telejornal da
tarde da segunda emissora de maior audiência do país. Era mais popular pela sua
beleza morena clara e de olhos verdes.
Conheceram-se no Twitter,
onde ele passou a segui-la e foi retribuído, pois, segundo ela, seus
microcontos a divertiam. Começaram a conversar e se tornaram amigos. Felício
vivia outra realidade: jornalista e escritor frustrado aos trinta e dois anos,
dependia do pai e morava no subúrbio. Tinha transtorno de ansiedade e déficit
de atenção e, por isso, nunca conseguiu trabalhar na sua profissão, mas
mantinha dois blogs: um de carros e outro de contos, que Deyse também adorava.
A noite de amor aconteceu no
apartamento dela, na zona sul da cidade, um bairro chique. Antes, os dois foram
a uma cantina italiana na mesma região. Era um restaurante caro, mas Felício
tinha crédito do pai e ofereceu pagar a conta. Ciente da realidade social do
amigo, Deyse recusou e ela mesma pagou a conta.
Em seguida, foram para o
apartamento onde ela morava com o filho, que passava as suas férias escolares
com a avó em Minas. Arteiro, deixou a casa tranquila para os dois, embora não
soubesse o que a mãe iria fazer.
Antes da noite de amor
conversaram amenidades. Ela contou-lhe os bastidores do telejornal. Falaram
sobre as suas famílias. Sobre as suas manias também. Era o prolongamento de uma
conversa que começou no restaurante. Começaram a se beijar. Felício foi despido
suavemente de suas roupas por Deyse. E ele retribuiu o ato, revelando os seus
seios fartos naturais e os pelos pubianos aparados nos cantos da virilha. Ambos
foram beijados avidamente por Felício.
Depois do sexo, realizado em
todas as posições possíveis, Deyse, muito constrangida, propôs que a amizade
continuasse pela internet, mas que o romance não poderia ser levado adiante.
Tomando cuidado com as palavras para não magoá-lo, ela argumentou que tinha uma
vida bem diferente do jovem amante de uma noite só. Sua vida social era muito
intensa e ele poderia sentir-se rejeitado e isso estragaria a amizade.
Felício sentiu que ela chamou-lhe
de pobre e imaturo, mas aceitou. Por outro lado, pediu um favor, já ciente de
que seria negado, por causa da profissão dela.
— Posso te fotografar nua? Quero
guardar este momento para sempre e fico com medo de esquecer os detalhes do seu
cor...
Antes de terminar a palavra
foi interrompido por um sonoro “tsc-tsc-tsc” de negação, completado pela sua
justificativa:
— Desculpa, mas não vai dar.
Sou uma jornalista séria e apresento um telejornal de audiência nacional. Se
essas fotos vazarem a minha carreira estará arruinada. E isso é muito fácil de
acontecer. Você pode mostrar para os seus amigos e um deles vai distribuir as
fotos para todo mundo. E os vírus no seu computador? E se você imprimir as
fotos, colocar dentro de uma revista e elas ficarem esquecidas até serem descobertas
por alguém? Acabei de te dispensar do romance. Você pode fazer uma pornografia
de vingança contra mim. Pode me chantagear.
— Poxa, mas eu jamais faria
isso. Eu nem tenho amigos. Quanto às outras justificativas eu entendo.
— Você me parece honesto, mas
no mundo de hoje não dá para confiar em ninguém, meu querido!
— Tudo bem. Tudo bem. Não
precisa ficar com raiva da mim. Eu preciso ir, então. Não tenho mais nada pra
fazer aqui.
— Não, senhor. Eu não estou
te expulsando da minha casa. Só não quero que me fotografe pelada. Preciso
preservar a minha carreira. Só vou te expulsar se me fotografar nua quando eu
estiver dormindo.
— Ok. Ok. Mas vou embora
mesmo. Não fiquei magoado com você. A gente conversa pela internet.
— Não e não. Você vai ficar.
— Eu vou dormir na sala,
então.
— Não, pode dormir comigo.
— Ok. Encerrou Felício,
envergonhado pelo seu pedido indecente.
Ele dormiu rapidamente.
Deyse ficou sem sono. Revirou na cama. Levantou-se, vestiu o roupão e foi para
o banheiro da suíte. Pensou diante do espelho. Voltou para o quarto. Observou o
fã roncando. Foi até a cabeceira próxima a ele e pegou seu celular. Retornou
para o banheiro e trancou a porta. Fotografou-se nua. Deixou uma surpresa no
celular do frustrado escritor de trinta anos.
***
Sem retomar o contato com
Felício, Deyse Sacramento casou-se com um fazendeiro goiano rico e teve um
segundo filho. Mudou-se para a maior emissora do país, em São Paulo, e assumiu
a apresentação do principal telejornal da noite.
Estava em um ótimo momento profissional
e pessoal quando as fotos nuas que tirou para Felício vazaram na internet. Sua
vida virou de cabeça pra baixo. Foi afastada do telejornal e depois demitida da
emissora. O filho mais velho sofreu bullying na escola. Mesmo assim, não
processou o imaturo amante, que ajudou nas investigações. Desde aquela noite
ela já pensava em mudar de carreira. Abandonou o estressante jornalismo e virou
atriz.
Inocente pelo vazamento das
fotos, causado pelo hackeamento da sua nuvem, Felício continuou desempregado e
sem sucesso como escritor. Reencontrou uma antiga colega de faculdade, agora
funcionária pública.
Traumatizado pelo vexame com
Dayse, se recusou a tirar fotos da sua nova namorada nua. Ela tirou. Ele
deletou. Prometeu a si mesmo que iria guardar na sua lembrança. Sofreu um
acidente, bateu com a cabeça e ficou com amnésia. Jamais recordou-se da imagem
nua de Leonora, que também o abandonou. E nem de Dayse.
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