Conto
de Gustavo do Carmo
— Você está linda, minha
filha! Mas tem certeza de que quer fazer isso? Não adianta voltar atrás, hein? Perguntou
Arnaldo.
Regiane respondeu ao pai,
dentro do carro que a levaria à igreja, apenas balançando afirmativamente a
cabeça com um semblante triste. Um semblante de culpa. Havia lágrimas em seus
olhos.
Na modesta igreja de subúrbio, escolhida por Gabriel, que ali foi batizado, fez a sua primeira comunhão e leva a mãe à missa todos os domingos, ele e toda a sua família aguardam ansiosos a noiva para o tão esperado casamento relâmpago, com apenas um mês de namoro e mais dois de preparativos para o casamento. Gabriel e Regiane conheceram-se na pós-graduação em gestão de cultura, foram amigos por dois anos até ficarem afastados por cinco. Reencontraram-se e começaram a namorar.
Os bancos da igreja só
estavam ocupados no lado do noivo, por parentes de Gabriel. No outro, só alguns
gatos pingados mais à frente. Eram a mãe, o casal de irmãos da noiva, com respectivos
cônjugues, a empregada e dois únicos colegas de faculdade, amigos em comum, além
de Charles, o ex-namorado lindo, atlético e rico de Regiane. Os padrinhos, um
primo de Gabriel com a sua esposa e a melhor amiga de Regiane com o marido,
estavam no altar. O pai estava com ela no seu Jaguar, dirigido pelo motorista a
caminho da igreja.
Finalmente, com meia hora de
atraso, as portas de madeira nobre talhada e vidro decorado com imagens sacras se
abriram para a entrada triunfal de
Regiane e seu vestido branco reluzente, com detalhes de pérola e renda, com um
véu de cinco metros, segurado pelas suas sobrinhas, de oito e dez anos, que eram
as damas de honra. O pajem, que levaria as alianças, seria o sobrinho de quatro
anos de Gabriel.
Ao som de uma versão
instrumental de A Rosa, de Pixinguinha, escolhida a dedo pelo emocionado Gabriel,
Regiane, também aos prantos, entrou quase que em câmera lenta ao lado do pai,
que não aprovou o futuro genro, mas respeitou a decisão da filha do meio.
Após cinco minutos, o padre Clementino
um septuagenário que batizou Gabriel, deu início à cerimônia com a saudação: “O
senhor esteja convosco”. Em seguida, os convidados responderem: “Ele está no
meio de nós”. Continuou:
— Viemos aqui celebrar o casamento de Gabriel de
Oliveira Souza e Regiane Assunção de Medeiros”.
Em seguida, ministros da eucaristia leram passagens
do Antigo Testamento e o padre completou com o salmo responsarial, a homilia e
finalmente o sacramento matrimonial, ordenando os noivos a unirem suas mãos. Cada
noivo falaria, começando por Gabriel.
— Eu, Gabriel,
recebo-te por minha mulher a ti, Regiane, e prometo ser-te fiel, amar-te e
respeitar-te, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, em todos os dias
da nossa vida.
— Eu, Regiane... ela fez uma
pausa e mudou o roteiro do sacramento: eu não te recebo como meu marido.
Os convidados exclamaram com
um sonoro oh! Ela continuou, pegando o microfone do padre.
— Me desculpa, Gabriel, mas
nos últimos meses tenho recebido muitos conselhos para não me casar com você.
Muita gente tentando me convencer. Meus pais, meus irmãos, meus amigos... você
não trabalha, é muito imaturo, não tem conhecimento de nada, não sabe falar
outra língua, tem uns descontroles emocionais, umas manias estranhas, não cuida
direito da sua aparência... E você também tem origem humilde. Eu tentei
terminar o namoro antes, mas os seus pais já tinham pago os preparativos, o
salão de festas e fiquei com pena da sua mãe, que estava ansiosa pelo
casamento. E fiquei com pena de você também. Sabia que você precisava se casar.
Mas eu não poderia levar isso adiante. Algum dia, o nosso casamento iria
terminar. Por isso, decidi que fosse logo. Eu te amo muito. Mas como um irmão.
Por isso, escolhi esse momento pra tentar fazer com que você amadureça.
Gabriel desferiu um soco em
Regiane e disse aos gritos:
— Precisava dizer tudo isso
aqui no altar? Precisava me humilhar na frente da minha família? O que eu te
fiz? Vagabunda! Hipócrita! Cadela! Eu vou processar você e o prepotente do seu
pai! E se acontecer alguma coisa com a minha mãe, você me paga!
A mãe de Gabriel passou mal.
Teve um aumento súbito de pressão. Iniciou-se uma confusão, que o padre tentou,
em vão, evitar. Cenas de pugilato na
igreja, entre os primos de Gabriel, o cunhado e o irmão de Regiane, alguns
amigos e Charles, o ex-namorado lindo, atlético e rico da ex-noiva. As mulheres
trocaram puxões de cabelo.
Gabriel, sua irmã e seus
primos foram à delegacia prestar queixa contra a família de Regiane. Na
segunda-feira seguinte, entraram com um processo por danos materiais e morais
contra Regiane e sua família.
Arnaldo reembolsou a família
de Gabriel por todas as despesas com o casamento que não aconteceu. E também o
prejuízo pela destruição da decoração e sujeira na igreja. Já o processo por
danos morais... ganhou em todas as instâncias. Arnaldo era um advogado muito
influente. Na última instância, no STF, o noivo abandonado foi representado
pela irmã. Gabriel suicidou-se meses depois da pior humilhação que sofreu.
Já Regiane casou-se com
Charles, o ex-namorado lindo, atlético e rico, em uma linda cerimônia num
Castelo em Champagne, na França. Foram passar a lua de mel em Abu Dhabi e
tiveram três lindos filhos. Viveram felizes para sempre, sem nenhuma culpa pela
humilhação, o suicídio de Gabriel e o aborto que fez de um filho que esperava
do ex-noivo.
0 Comentários