Conto de Gustavo do Carmo
Livremente inspirado na trilogia 50 Tons de
Cinza
Duas amigas, Anastácia e Catarina,
conversam animadamente à mesa posta na calçada de um boteco chique de Ipanema.
— Como é que foi o fim de semana
com o seu chefe, ontem, Nasty?
— Foi maravilhoso, Cat! Voamos de
helicóptero até a cobertura dele na Barra.
— Conta mais.
— Pousamos no heliponto
particular dele. Descemos até a sala dele no primeiro andar do triplex. É do
tamanho deste quarteirão.
— E aí?
— Tomamos uns drinques e depois
ele me levou para o quarto particular dele no segundo andar.
— E ele é bonito?
— Ele é lindo! Tem rosto afilado,
cabelos louros grisalhos, olhos azuis, corpo atlético, pele lisa como uma seda.
Só não tirei foto porque ele não deixou.
— E o que ele fez no quarto dele?
— Esse não era bem o quarto dele.
Era uma sala de “jogos”. Cheia de instrumentos de tortura. De fetiche, melhor
dizendo.
— Que horror! Então ele é um
sádico.
— Sim! Mas um sádico que dá
prazer. Me amarrou nua em duas correntes, me vendou com uma gravata italiana cinza
e me deu cinquenta chibatadas. Depois transamos o final de semana inteiro. Foi
o máximo. Na saída ele me deu um colar de rubi. Em casa eu te mostro. Estou
apaixonada e viciada no perfume norueguês dele. Agora na sexta vou para a casa
de veraneio em Angra dos Reis.
— Que maravilha. Fiquei com
inveja.
— Que isso? Depois eu apresento o
Grey. Na verdade, o nome dele é Cristiano Grey. Ele é riquíssimo. Tem contratos
de obras com governos da Suécia, Noruega, Finlândia, Islândia e Dinamarca. Além
do Japão. Todos feitos com honestidade. Também é dono da maior editora de
livros do Brasil e sócio de um canal de televisão de São Paulo. O pai, Wilson,
foi banqueiro e dono de companhia aérea, mas o Cris já vendeu por um valor acima
do mercado depois que recebeu a herança. Só não é humilde. Ele me disse que
precisa ser assim por segurança.
Assim que acabou de falar
maravilhas do namorado rico e pervertido que arrumou, o iPhone de Catarina tocou.
— É a Ivonete avisando que não vem.
Alô?
— Ah, Cat. Eu não vou poder ir.
Acabei de ser estuprada. Disse, soluçando.
— Quê isso, Nete? Não brinca!
— Eu estava saindo da faculdade
ontem à noite, quando aceitei carona de um colega magrelo e suburbano, que
sempre foi gentil comigo, mas é feio de doer. Só que ele me levou para o
barraco de um amigo no Pavão-Pavãozinho no seu Chevette 88 enferrujado. Arrancou as minhas roupas, me amarrou nua
com duas cordas, me vendou com um pano de chão sujo e me deu cinquenta
açoitadas com um cabo elétrico de ferro de passar roupa. Depois me estuprou.
Ele fedia demais. Depois me deixou nua no meio da favela.
— Você está onde?
— Estou em casa, arrasada!
— Eu e a Nasty vamos até aí e
vamos te levar na delegacia para você denunciar esse cara.
As duas amigas, até então,
maravilhadas com o fetiche do rico Cristiano Grey, saíram do bar às pressas,
com Anastácia deixando 300 reais na mesa para pagar a conta, e foram buscar
Ivonete em sua casa no Méier para levá-la à delegacia para fazer o boletim de
ocorrência.
Rodrigo Hilbertson foi preso e condenado
por sequestro, cárcere privado, tortura e estupro. Cristiano Grey casou-se com
Anastácia e a levou para morar na Dinamarca. Ivonete suicidou-se, deprimida com
o trauma. Já Catarina ficou milionária com uma loja de artigos eróticos,
tornando-se fornecedora dos fetiches do casal Grey e Anastácia.
2 Comentários
Mostra bem a hipocrisia que está a vida, principalmente nos tempos atuais.
A diferença de rico e pobre;
e que atos são bem irônicos!