Teve uma noite inesquecível.
Perdeu a virgindade com a mulher dos seus sonhos: uma linda morena clara de
seios fartos, chamada Joyce, uma escritora famosa com quem fez amizade na
internet. Mesmo assim, Depreciano encerrou a deliciosa relação e se levantou
enfadonho, desanimado. Isso chateou a moça, que perguntou:
— Você não gostou da transa,
amor?
— Adorei. Foi inesquecível. Respondeu,
quase murmurando.
— Mas você está tão
desanimado. Parece até que não gostou.
— Eu amei. Já disse. Retrucou, mais firme.
— Então vamos fazer mais. Pediu,
puxando-o de volta para a cama.
— Agora não. Estou
preocupado com a minha mãe. Mas vamos nos encontrar de novo.
— Está bem. Concordou Joyce, resignada e
frustrada.
Mesmo com o gostinho de “não
quero mais”, Depreciano e Joyce voltaram a se encontrar. Foram a um restaurante
australiano, no qual ele pediu um enorme e suculento hambúrguer. Ele não se
importou. Não esboçou nenhum sorriso. E ainda amarrou a cara.
Joyce percebeu e brincou:
— Que hamburgão, hein?
Aguenta comer isso tudo?
— Claro. Mas se quiser me
ajudar, agradeço. Disse seco, entre a gentileza e a ironia, que ela percebeu e
virou os olhos constrangida.
Namoravam no restaurante
(ela amável e ele frio, beijando de olhos abertos) enquanto tocou o celular
dele. Atendeu desanimado ao ex-colega de faculdade, que virou o seu agente
literário.
— Depreciano? Aqui é o
Marcos.
— Fala.
— Credo. Que desânimo,
Deprê. Não é à toa que o seu nome é Depreciano. Você já foi mais alegre, rapaz!
— Fala logo, Marcos! O que
é?
— O diretor Arthur Lages
quer produzir um filme baseado no seu conto.
— Legal. Isso está certo ou
é blefe?
— Não sei. Ele está te esperando
para vocês conversarem.
— Eu não estou a fim de
conversar com ninguém, não. Veja quais são as condições e acerta com ele.
— Ah, Deprê! Deixa de onda,
vai! Vai perder essa? O Arthur quer falar com você.
— Está bem, está bem. Eu vou
falar com ele. Encerrou Depreciano.
Joyce, que tinha ouvido a
conversa do amigo do outro lado da linha, repreendeu o namorado pela sua falta
de vontade.
— Pôxa, amor. O cara quer
encenar o seu conto e você nem se animou.
— Ah, é porque estou com
medo de não dar em nada. Cansei de ter expectativas.
— Mas você com esse mau
humor não vai dar em nada mesmo. O cineasta não vai querer produzir nada de um
autor que não confia nem em si mesmo.
— Está agourando é?
— Não. Só estou tentando te
ajudar.
— Quando eu penso positivo
as coisas sempre dão errado. Só dão certo quando eu sou pessimista. Agora vamos
acabar de comer.
Joyce, que estava sentada ao
seu lado, abraçou Depreciano e o beijou, convidando-o para mais uma noite de
amor. Que ele aceitou.
Novamente, foram para a cama.
Desta vez ele broxou. E ela estourou.
— Porra, Depreciano! O que
está acontecendo com você, hein? Não dá um sorriso! Está sempre desanimado
quando está comigo. O problema sou eu???
— Claro que não, amor. Eu te
amo.
— Então trate de procurar um
psicólogo para resolver essa depressão ou eu vou te largar!
— Então me indique um!
— Pode deixar.
O desânimo de Depreciano não
era só com o Joyce, como ela mesma ouviu Marcos falar. Ele também agiu assim
com Arthur Lages. Mesmo adorando o seu conto, o cineasta quase desistiu de
produzir o filme por causa da cara amarrada do escritor. Só se convenceu depois
que ele mentiu dizendo que estava passando por problemas familiares. E
conseguiu que o seu primeiro conto fosse filmado por uma quantia de 20 mil
reais, mais 5% de direitos conexos.
O filme foi um sucesso. Só
não foi premiado no Oscar. Depreciano ganhou muito dinheiro. Mas não sorriu
nenhuma vez. Desde o lançamento aparecia na frente dos flashes com a cara amarrada.
Antes de ir à psicóloga
indicada por Joyce, apresentou a namorada aos pais e foi apresentado aos pais
dela, que o acharam bem desanimado e tentaram convencê-la a acabar com o
namoro.
— Desanimadinho esse seu
namorado, hein? Perguntou a mãe enquanto ele foi ao banheiro.
— Se continuar assim, não
vai dar certo, não. Apostou o pai.
— Eu vou dar mais uma chance
a ele. Respondeu, resignada.
Na casa dos pais dele, Joyce
perguntou à sua mãe:
— Ele sempre foi
mal-humorado assim?
— Não. Ele sempre sorria. De
uns anos pra cá que ele tem andado deprimido. Mas vai melhorar.
— E por que o nome dele é
Depreciano?
— Ah, é porque eu tive
depressão pós-parto quando ele nasceu. Meu marido ficou com tanta raiva que o
batizou assim.
E Seu Januário condenou o
filho pelo resto da vida.
Em todas as consultas na
psicóloga, Depreciano falou de sua vida. Acabou reconhecendo que vivia preocupado
com os pais e com a irmã. Tanto com a saúde deles quanto com a situação
financeira do seu pai. Tinha medo de perdê-los. Tinha medo do seu futuro.
Sentia culpa por nunca ter trabalhado na vida. E jogavam isso na cara dele.
O fracasso do lançamento do
seu primeiro livro de contos, um dos quais foi produzido por Arthur, foi o
trauma que o deixou desanimado de vez. Não apareceu ninguém na noite de
autógrafos.
Acerto da psicóloga? Sucesso
no tratamento? De fato, Depreciano teve alta da terapia. Mas não adiantou nada.
Ele continuou desanimado. Joyce só não o abandonou porque engravidou dele. Não
queria afastar o filho do pai.
Antes, saiu do altar casado,
mas com a cara amarrada, se limitando a cumprimentar os convidados. Quando
nasceu Feliciano, Depreciano não esboçou nenhuma emoção. Nem boa. Nem ruim.
Também não se animou com a segunda filha, Happy, com o sucesso dos outros
livros que escreveu e das adaptações audiovisuais deles, com o prêmio sozinho e
acumulado na Mega Sena que ganhou, com a formatura dos filhos, o casamento
deles e os netos.
Depreciano só voltou a
sorrir aos 70 anos. Quando foi encontrado enforcado por Joyce. A força da corda
em seu pescoço puxou os seus lábios para cima. Até o fim da sua vida continuava
desanimado.
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