O chamado
Papai Noel ajeitou sua gravata verde e vermelha sobre a camisa branca. A mulher
atrás da câmera fez um sinal de positivo indicando que podia começar.
“Olá a
todos. Provavelmente não me reconhecem por conta da mítica imagem que vocês têm
de minha pessoa como um velhinho gordo vestido de veludo. É, esse mesmo,
o "Papai Noel". Primeiro eu não tenho oitenta anos, não sou gordo,
nem tenho filhos. Não mesmo. Então pelo amor de Deus, não me chamem de
"Papai". Garanto que vocês não chamam nem os seus pais de papai,
então...”
Noel parou
e tomou um gole de água.
“Bem, mas
uma coisa vocês tem que ter crédito. As luzinhas e as cores verdes e vermelhas.
Dão um bom clima. Bacana.”
“Ah, e as
renas se aposentaram há muito tempo. Agora uso um dirigível, que é muito mais
eficiente do que elas. É claro que isso foi uma bênção, por que o número de
crianças aumentou bastante nos últimos séculos e as renas estavam precisando de
um merecido descanso. Estão em alguma fazenda nos trópicos. Mas eu até que
gostava da companhia delas. Às vezes elas conversavam comigo.”
“Devo
dizer que vi alguns filmes natalinos e, desculpe-me a palavra, mas são uma
porcaria. Lá está o velho gordo com um saco minúsculo que não daria para
presentear nem trinta crianças. E querem que eu acredite que
ele entrega presentes para todos desse jeito. E os efeitos especiais então,
parece que fazem o filme em dois meses. "Ah, já estamos em outubro, vamos
fazer qualquer coisa pra lucrar um pouquinho no natal". Que é isso? Por
favor! Se vão fazer qualquer coisa, que seja bem feita. Mas não posso reclamar
tanto quanto a isso, já que tem algum ouro perdido sempre, que vale a pena
passar duas horas na frente da TV.”
“Isso:
TV. Ou vocês acham que eu moro em uma casinha de madeira no meio do pólo norte?
Minha mansão é grande, mas não tão grande quanto a fábrica. Meus camaradas
duendes trabalham duro o ano todo fazendo enfeites natalinos para vender e
conseguir dinheiro para comprar os presentes dessas crianças mal agradecidas
que crescem e começam a dizer: "Eu já sou grande, eu sei que Papai Noel
não existe." Sim, o gordinho de óculos não existe mesmo, mas o Sr.
Mosmorel existe sim. Isso, esse é meu nome, Noel é só apelido. Aqui ó!”
Ele tira
sua identidade do bolso e mostra para a câmera. “Viram?”
Ele toma
mais um pouco de sua água e continua.
“Bom,
para fechar, já que a produtora aqui está dizendo que o tempo está acabando,
queria dizer que essas crianças me tiram do sério. Todo ano é um celular, tablet,
ipad, iphone, inãoseioquemais. Um mais caro que o outro. Era tão bom quando
elas se contentavam com um cavalinho de madeira, uma boneca ou uma bicicleta.”
“De quem
é a culpa de toda essa imagem que fizeram de mim ou do natal no geral eu não
sei. Fica com você o poder de decisão. E escuta, produtora, pode colocar o nome
da matéria: A verdade sobre o “Papai Noel”. Isso, entre aspas. Pega esse papai
e enfia no cu. Ih, é mesmo, não pode falar palavrão, né? Desculpe. Bom é isso,
foi bom desabafar.”
Ele se levanta
da cadeira.
“O quê?
Tem que deixar uma mensagem bonitinha? Tá bom”, ele se senta de novo de dá um
sorriso. “Pessoas, os presentes não importam, mas sim os cérebros de vocês, que
podem julgar o que é certo para viverem em harmonia. Não, não escutem o
coração. O coração não faz nada além de manter o sangue circulando. Menos
poesia e mais atitude, por favor.”
O cameraman corta
a tomada.
Conto natalino
de Lucas Beça
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