LAURO E LUCIANA



Conto de Gustavo Carmo

Arlindo conheceu os dois em uma oficina literária. Para quem não sabe, oficinas são os cursos de aperfeiçoamento de escritores. Lauro é um senhor de cabelos grisalhos, rentes à cabeça, muito simpático e brincalhão, apesar da aparência séria e da sua fala serena e pausada. Luciana, morena clara, cabelos cacheados e lábios carnudos. Aparenta ser um pouco antipática pelo seu jeito fechado e sério. Mas é apenas uma pequena timidez que vai se perdendo quando conhece melhor as pessoas que a procuram. Lauro e Luciana são pai e filha.


Arlindo conheceu primeiro Lauro na terceira das seis aulas da oficina. Ex-aluno, fora convidado para transmitir uma motivação espiritual à nova turma. Começou mandando todo mundo na sala falar palavras desconexas durante um minuto. Era para soltar a língua e perder a timidez. Depois distribuiu um anel invisível aos colegas para que eles se lembrassem do objeto nos momentos mais difíceis.

Lauro gostou tanto da turma que acabou voltando na aula seguinte. Para surpresa de Arlindo, que ao chegar à faculdade, o encontrou sentado na mesa da cantina do campus, conversando com Gustavo, um jovem e bondoso rapaz, magro e aloirado, que lhe indicou a oficina através do seu blog, sempre lido por Arlindo. Gustavo, único leitor do blog de Arlindo, também estava fazendo o curso.

Gustavo estava lendo, em voz alta, os contos que costumava escrever e publicar no blog. Depois que terminou de ler, Lauro leu os dele. Muito bons. A sua infância pobre foi a sua inspiração. Arlindo se ofereceu para ler os seus. Lauro adorou. Gustavo também.

Na semana seguinte, foi a vez de Luciana se apresentar para Arlindo e seus colegas de turma. Ela apenas leu um conto de uma senhora que se arrumou toda no salão de beleza para ficar sozinha. Todos aplaudiram.

Depois de duas semanas de intervalo por causa de dois feriados consecutivos, Lauro e Luciana compareceram à última aula da oficina. Foi o dia em que Arlindo mais conversou com eles. Trocaram telefones ao final da aula, mas achava que teria uma amizade tão curta, pois já estava acostumado a perder contato com todos os colegas de cursos que fazia. Com Lauro e Luciana não seria diferente. Nem se preocupou em cobrar, porque, várias vezes, perdeu definitivamente algumas amizades.

Um mês depois reencontrou Lauro em um evento cultural promovido pela professora da oficina. Arlindo mostrou vários dos seus contos que escreveu durante o curso. Um parêntesis: A oficina literária não tornou Arlindo famoso e nem publicou nenhum livro individual seu, embora o curso prometia a publicação dos melhores textos de cada aluno mediante o pagamento de uma taxa de custo razoável. Até que Arlindo aprendeu algumas técnicas de escrita, edição de livros e busca por editoras, mas a oficina valeu mesmo para Arlindo intensificar o seu gosto pela escrita. Estabeleceu uma meta para si próprio de escrever três contos por semana, durante o período do curso. Mesmo com todos os problemas pessoais por quais passava.

Arlindo voltou ao evento três dias depois. Para ser uma das atrações, ao lado dos seus companheiros de oficina. Ia ler alguns contos para o público. Sonhava em fazer tanto sucesso para atrair a atenção de um editor, amigo da organizadora do evento e da oficina, e sair com um contrato para publicar o tão sonhado livro individual. Era um corredor literário, com uma pequena feira de livros nas laterais e um palco com música e leitura de textos. Não aconteceu nada disso. Foi o dia de pior movimento. Ninguém compareceu. Os colegas de oficina, o editor, Lauro e Luciana estavam viajando a serviço. Ninguém. Arlindo, acompanhado da mãe, chorou de tanta decepção.

Resignado, Arlindo voltou para a realidade de balconista e office-boy da loja de auto-peças do seu pai.  Continuou sonhando em publicar o livro. Já era dezembro e só lhe restava se preparar para o Natal e o ano-novo. Não tinha mais esperanças de manter contato com Lauro e Luciana.

Duas semanas depois, Arlindo recebeu um telefonema de Lauro, que queria lhe propor a roteirização de um projeto teatral. Aceitou na hora, sem hesitar. Marcaram de se encontrar no Centro da cidade. Só que o projeto ainda estava engatinhando na cabeça de Lauro. Almoçaram em um restaurante a quilo e depois conversaram em uma praça na Rua da Conceição.

Em casa, Arlindo escreveu um argumento, em quatro atos, para a história de um jovem que ficava paraplégico após um acidente de carro em que perdeu a mãe. Teria de superar tudo com a ajuda do pai, com quem não falava há anos. O tema trágico era porque a peça seria para uma fundação beneficente em apoio aos deficientes físicos, que estrelariam a peça e teriam a oportunidade de atuar. Lauro gostou da sinopse, mas pretendia contar a história de um amigo tetraplégico. Prometeu apresentá-lo a Arlindo depois do Natal.

O argumento foi mostrado na semana seguinte. Desta vez, em um bar na Rua Uruguaiana, esquina com a Presidente Vargas. Depois, seguiram para a Rua São José, onde encontraram com Luciana. Conversaram até as sete da noite. Arlindo tinha que voltar para casa cedo porque estava preocupado com a mãe e com os comentários do pai e da irmã se o vissem chegando tarde em casa, coisa que Arlindo não tinha o costume de fazer. Mas nem ligaram. Neste encontro, Arlindo mostrou os seus contos também para Luciana e eles trocaram contatos do messenger para conversarem com mais freqüência.

Veio o Natal. Lauro ligou para Arlindo, que continuou conversando com Luciana pelo bate-papo eletrônico. Lauro disse a Arlindo que escreveu um conto em homenagem a ele. Luciana também. Arlindo ficou sem graça e sentiu-se na obrigação de escrever um conto em homenagem aos dois novos amigos.

Como Arlindo ia escrever um conto encomendado? Ele não tinha o costume de fazer isso. Para escrever uma boa história ele teria que se inspirar naturalmente, sem pressões. O constrangimento de Arlindo era como explicar isso para o casal sem magoá-los. Viajou para Cabo Frio onde foi passar o reveillon e lá começou a escrever o conto. Não sabia que história ia contar. Não sabia como arrumar uma história para eles. Decidiu escrever a história de como os conheceu.

Começou com um início semelhante a este texto. Mas viu que estava falando mais da oficina do que dos amigos. Salvou o texto no computador, mas o abandonou. Decidiu enrolar Lauro e Luciana. Não falou mais nada, mas também não entregou o texto. Escreveu outro conto que publicou em seu blog.

Na semana seguinte, a mãe de Arlindo sofreu um acidente e quebrou o ombro direito. Teve que interromper as férias em Cabo Frio e voltar para o Rio. Ela necessitava de uma cirurgia, pois na cidade litorânea não havia médico especializado. Acabou sendo levada para Petrópolis e operada na cidade imperial. Enquanto a mãe de Arlindo estava sendo internada para a cirurgia, Lauro lhe telefona. Pedindo o conto. Arlindo prometeu escrever, mas assim que a mãe se recuperasse e explicou o ocorrido. Naturalmente, Lauro compreendeu. 

De alta, Arlindo teve que acompanhar a mãe, hospedada na casa de sua irmã em Petrópolis, porque esta brigou com a empregada e deixou a mãe de Arlindo sozinha. Sem televisão. Depois de ler um romance de um escritor peruano, Arlindo começou a escrever o conto de Lauro e Luciana. Escrever a mão. Porque lá também não tinha computador. Arlindo já não tinha mais o costume de escrever a mão. O caderno que tem é apenas de idéias para futuros contos e romances.

Escreveu este texto, que está terminando.

Logo que a mãe foi liberada para voltar ao Rio, depois de tirar os pontos, Arlindo conseguiu finalizar o conto no computador, como tem costume. Convidou Lauro e Luciana para o visitarem em sua casa. No final da tarde, eles chegaram. Arlindo logo mostrou o conto. Lauro ficou sério. Depois, Luciana chamou o pai para ir embora. Arlindo perguntou porque eles queriam ir embora tão cedo se eles mal haviam chegado.

Lauro explicou que nunca leu um conto tão mal escrito. Entendeu que o conto foi escrito com muita pouca vontade. Sentiu-se ofendido com algumas descrições que Arlindo fez deles. Luciana também. Ficaram magoados por Arlindo ter achado que ele estava cobrando o conto. O que não era verdade. Arlindo confessou que não sabia escrever histórias sugeridas. Lauro se aborreceu porque nunca quis que Arlindo escrevesse um conto forçado. Luciana disse que eles também sabem que idéias vêm naturalmente e não forçadas.


Foram embora. Lauro nunca mais ligou. Luciana nunca mais procurou Arlindo pelo messenger. E Arlindo perdeu mais dois amigos. Como sempre. 

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