— Alô.
— Alô. Respondeu a senhora com uma voz triste.
— Dona Clotilde. Tudo bem?
— Ah, Doutor Ênio. Mais ou menos.
— O que houve?
— Estou sentindo muito a falta do Péricles.
— O que houve com o Péricles? Perguntou Dr. Ênio assustado.
— Você não sabia? Ele faleceu há quase um ano.
— Meu Deus! Mas como?
— Ah, Doutor Ênio. Não gosto nem de contar. Ele teve um AVC.
— Minha nossa! Disse o dentista, com a voz embargada. — Eu lamento muito. Fico muito triste. Eu tinha ligado para avisar que o material do implante dele chegou.
— Agora é tarde demais, né, doutor?
— Me desculpa, Dona Clotilde. O material demorou muito. O fornecedor não conseguia acertar as medidas do osso da gengiva dele de jeito nenhum.
— Está bem. Mas ele morreu e foi enterrado sem dente. Esperou tanto pela prótese. A senhora, mãe de Péricles, começa a chorar. — Aí ele de repente ficou nervoso quando viu uma repórter no jornal da televisão. Perguntei o motivo e ele respondeu que a repórter era a piranha da colega de pós-graduação dele. Ele tinha vergonha de ver os colegas de faculdade bem-sucedidos e ele sendo obrigado a economizar pelo pai pão-duro. Ficou tão desapontado que teve o derrame e faleceu.
— Que chato! Então meus sentimentos, Dona Clotilde.
— Obrigada, Doutor. Agradeceu, já aos prantos.
O dentista desligou o telefone já com lágrimas nos olhos e com as mãos tremendo. Sua filha moça, que trabalha com ele como assistente, pergunta preocupada:
— Pai, o que houve?
— Ah, minha filha. O Péricles, aquele meu paciente que tratava comigo desde que ele era adolescente, morreu.
— Aquele que em que eu fui ao lançamento do livro dele quando era criança?
— Ele mesmo.
— Ah, que pena!
— Pois é. Agora me faz um favor: joga fora esse material que era dele.
— Mas você vai desperdiçar o material, pai?
— Joga fora! Faz o que eu falei, poxa! Exigiu, com irritação. — Ele não serve mais pra ninguém! Mesmo se servisse, eu não vou usar em ninguém. Joga fora. E desmarca as minhas consultas de hoje.
— Está bem, pai. Mas a Dona Adelaide acabou de chegar. Está esperando lá na sala.
— Eu vou falar com ela.
0 Comentários