Por Ed Santos
O Paulo chegou, me cumprimentou e foi logo ver o que estava sobre a minha mesa naquela semana. Sempre que ele aparece por aqui é a primeira coisa que ele faz. De tempos em tempos eu troco os livros que deixo lá. Conforme vou lendo, faço uma reposição e aproveito pra deixar um ou mais à mão. Apesar de não ser lá um leitor voraz, leio acima da média do brasileiro que é 4,7 livros por ano. A pesquisa também aponta que o brasileiro compra 1,1 livro por ano, e eu tenho que confessar que compro mais do que leio.
Havia deixado um Machado de Assis (Dom Casmurro), por conta do centenário da morte do escritor, dois volumes da coletânea Para Gostar de Ler (poesia e crônicas), e um Neruda (Confesso que Vivi). Ainda não li nenhum deles. Além desses, sempre levo um na minha pasta, (o que está lá é um Borges), e mais dois na cabeceira da cama (Poe e Carlito Cunha).
Como eu estava conversando com outro amigo, ele deu uma olhada nos livros pegou o do Neruda e fez cara de exclamação, tipo “isso sim é que é escritor!”. Mas ia saindo sem falar nada para não interferir na conversa, até que não resistiu:
- Esse livro é fantástico, já leu?
- Ainda não, estou curioso. – eu disse me interessando depois de despedir-me do colega com quem estava conversando.
O Paulo como sempre entusiasmado, utilizando as palavras de forma muito bem estruturadas no seu falar, fez uma resenha da obra e emendou uma das suas histórias:
- Meu, isso aqui é perfeito! Uma obra prima. Ele escreve a história da vida dele, das dificuldades que passou e alguns relatos desde a sua infância. Faz uma abordagem do verdadeiro Chile e mostra uma fotografia totalmente diferente da que conhecemos daquele país. Ele descreve a fantasia do lugar de uma forma muito delicada, que nos faz devorar as páginas. É um livro de memórias escrito por um poeta que marcou. Bom, Neruda é um escritor completo né? Tempos atrás, eu era diretor de uma associação cultural e política num bairro que morei que era muito ativa e tinha uma participação muito forte da comunidade. Coisa de trezentas pessoas por evento nos finais de semana. A casa vivia lotada, era muito bom. Então, aí tinha um evento em comemoração ao dia internacional da mulher e eu estava encarregado pra preparar um panfleto e distribuí-lo. Dois dias antes de ir pra gráfica e eu ainda não havia conseguido escrever uma só palavra, estava sem inspiração, e também não queria escrever nada com tom discursivo. Não queria que soasse como texto reivindicatório, queria algo mais poético, afinal era uma homenagem às mulheres. Levantei, deixei o computador de lado e fiquei de frente pra minha estante por um momento observando os volumes que tinha. Puxei um Neruda e abri. Meu, você não acredita! Parecia magia o negócio! Abri, e lá tava: “Cada Dia Matilde”. Era um poema que ele tinha escrito pra mulher dele. Um poema maravilhoso, e que claro eu usei pra botar lá no meu panfleto, lógico. O pessoal adorou, vieram me falar que era lindo e tal, e eu realmente achei fantástico. O Neruda é o máximo. Agora, esse livro aí, você tem que ler com a cabeça vazia, que também é muito bom. Merece uma rede numa varanda fresca.
- Então eu vou esperar as férias pra ler ele e mais outro que eu ainda nem comprei. Ele vai sair dessa mesa aqui e vai dar lugar pra outros. Muitos outros.
Hoje a ti: és esbelta
como o corpo do Chile, e delicada
como uma flor de anis,
e em cada ramo guardas testemunho
de nossas indeléveis primaveras:
Que dia é hoje? O teu.
E é o ontem amanhã, não sucedeu,
nenhum dia se foi de tuas mãos:
guardas o sol, a terra, as violetas
em tua breve sombra quando dormes.
E assim cada manhã
presenteias-me a vida.
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abs