EX-CARIOCA

Por Gustavo do Carmo

O emprego do prefixo ex, acompanhado de um hífen, indica aquele substantivo que já não tem validade para quem o utiliza: ex-presidente, ex-governador, ex-prefeito, ex-jogador, ex-modelo, ex-integrante de banda, ex-marido, ex-mulher, ex-namorada e por aí vai.

O poder do ex é tão grande que ele já tem pernas para andar sozinho. Muita gente fala: “Aquele ali é o meu ex”, “A relação com a minha ex é muito boa”, “Esse aí na foto é o meu ex”, etc, etc. Sumariamente, ex já é passado.

E tem gente que gosta de inovar e empregar o ex em substantivos incomuns, como o futuro ex-prefeito que chama a sua coluna na internet de ex-blog. Uma página que não podia ser blog, segundo a lei eleitoral, e virou um ex-blog.

Portanto, se o ex-prefeito pode, eu também posso inventar. Então está criado o ex-carioca.

Os espíritos-de-porcos vão dizer: “Ah! Não se usa esse prefixo em gentílicos”, “Ninguém deixa de ser carioca, paulista ou mineiro”. “Ninguém deixa de ser brasileiro”. Deixa sim. E principalmente brasileiro, pois existe o documento que comprova o abandono pátrio: a naturalização.

O ex-carioca, vamos ficar neste exemplo, é aquele que deixa de ser carioca. No entanto, o ex-carioca não é aquele que deixa a cidade do Rio apenas para aproveitar uma oportunidade única e ganhar o seu sustento, mas ainda quer ser carioca da gema. O ex-carioca não é aquele que trabalha em outra cidade e conta os dias para chegar o final de semana e voltar saudoso para casa, após uma semana estafante.

O ex-carioca é aquele que abandona a sua cidade. Ou mesmo o seu estado. Mesmo que o gentílico para quem nasce no estado do Rio seja fluminense, eu também considero os fluminenses como cariocas. Então, niteroienses, petropolitanos e outros papa-goiabas que abandonam o estado do Rio merecem ser chamados de ex-cariocas sim.

O ex-carioca é aquele que pede pra sair. É aquele que procura oportunidade em qualquer lugar só para sair do Rio. E ainda faz loucuras para sair daqui. Até arrisca a vida de si e a dos outros. É aquele que vai morar em outro estado, principalmente em São Paulo, e quando volta (mais por obrigação, contrariado, do que por saudade) fica comparando as nossas mazelas com as qualidades do seu novo lar. Da sua nova cidade natal. E ainda acusa a sua ex-cidade de ter lhe negado oportunidades que nunca foram buscadas ou até recusadas pelo próprio reclamante. Mal sabe ele que é um dos maiores culpados pela cidade (inclusive o estado) estar pior do que a sua nova casa.

O ex-carioca é aquele que se esqueceu do lugar onde nasceu. É aquele que incorpora até o sotaque da nova terra. È aquele que ainda faz declarações de amor à sua nova pátria. É aquele que já não merece mais ser chamado de carioca.

O prefixo ex pode ser usado para outros gentílicos também: ex-mineiro, ex-paulista, ex-capixaba, ex-baiano, ex-pernambucano, ex-brasiliense..., ex-brasileiro (destes há muitos e mesmo assim ainda são idolatrados). Mas só o ex-carioca rima com Iscariotes. Judas Iscariotes.

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