CIGANA



Conto de Gustavo do Carmo

— Oi! Posso ler a sua mão? Pediu a cigana para o pedestre que abordou numa praça do bairro do subúrbio onde morava.
— Não. Respondeu Jenoíno secamente.
— Olha que eu te rogo uma praga para sete gerações, hein!
— Já estou cheio de pragas. Cansei de recusar ciganas querendo ler a minha mão.
— Eu sei. Renovo para mais sete.
— E duvido que você seja cigana de verdade. Para mim é uma mendiga com vestido de festa junina.


A cigana bateu forte a saia e dela começou a sair pombas brancas e uma fumaça que a encobriu e também escureceu o céu. Muitos trovões ecoaram. Assustado, Jenoíno saiu correndo para o sentido de onde veio, mas esbarrou em Rosa Madalena, que tinha reaparecido no outro lado.

— E agora? Ainda duvida que eu sou uma cigana de verdade?
— Tudo bem. Me convenci. Mas não quero que leia a minha mão. E fracassado do jeito que sou, não vou gerar ninguém. A minha geração vai parar em mim, mesmo.
— A praga vai valer para as suas reencarnações também, seu tolo!
— Mesmo assim, não quero. Tenho medo de saber do meu futuro. Tenho medo de vir mais desgraça do que já tenho.

Ela pegou sua mão e começou a ler, sem o seu consentimento. E anunciou:

— Você vai morrer.
— Eu sei que vou morrer. Todos nós vamos morrer um dia. Inclusive você.
— Você vai morrer em breve.
— Eu sei que vou morrer em breve. Você também.
— Em breves dias. Em alguns dias você morrerá. Só não posso precisar.
— Olha aqui. Você quis ler a minha mão só para dizer que eu vou morrer? Grande cigana você é. Toma 20 reais para me deixar em paz. Se não é capaz de me prever um futuro bom, some da minha vida!

E Jenoíno foi embora, fulo da vida, após deixar uma nota de 20 reais na mão da cigana. Foi atropelado uma semana depois. Chegou ao limbo e reencontrou Rosa Madalena, que lhe disse:

— Eu não disse que você ia morrer em breve?
— E eu não disse que você também ia morrer? Eu também era médium. Só não acertei na loteria para ficar rico.
— Engraçadinho. Agora vai para o setor de reencarnação que você vai voltar para ser delinquente numa favela. É a primeira geração da sua praga.
— Mas eu te dei 20 reais e deixei você ler o meu futuro.
— E eu te perdoei. Mas essa praga é só a primeira das outras centenas de ciganas que o seu tatata...ravô matou há oito séculos. Uma delas era a minha tatata...ravó. Rejeições posteriores dos seus antepassados e de você mesmo fizeram com que você tivesse mais de 280 milhões pragas para você e suas próximas encarnações cumprirem.  

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1 Comentários

Liu Silva disse…
Maravilhooso esse conto, eu rir no "vc vai morrer". 👏👏👏😊