Por
Gustavo do Carmo
Cena do curta-metragem A Psicose de Válter |
— Amigo,
tomei uma decisão muito importante na minha vida!
—
Qual?
—
Vou esquecer a Letícia Cristina.
—
Sério?!
—
Seríssimo!
—
Tem certeza?
—
Absoluta.
—
E se você a vir passando na rua?
—
Vou fingir que não a conheço.
—
Mesmo com aquela beleza toda dela?
—
É claro.
—
A Letícia Cristina é muito linda. É impossível ignorá-la.
—
Mas eu ignoro.
—
Ontem eu estive com ela.
—
É mesmo?
—
Sim.
—
E daí?
—
Daí que ela me perguntou por você. Por onde você anda.
—
E o que você respondeu?
—
Ué! Você não disse que ia esquecê-la.
—
E vou esquecer.
—
Se vai esquecer, porque, então, quis saber o que conversamos?
—
É que eu gosto de saber o que falam de mim.
—
Tá bom. Severino riu. Vou fingir que acredito na sua firmeza.
—
E estou firme mesmo. Não quero mais saber da Letícia Cristina.
—
Eu disse que você ainda está apaixonado por ela.
Geraldo
grita, batendo a mesa da lanchonete:
—
Porra! Pra que você foi falar isso pra ela?! Não dá pra confiar em você, hein!
Se levanta e encosta a cadeira com força.
—
Calma. Ela ficou toda animada quando eu disse isso. Perguntou se você estava
namorando.
É
ignorado pelo amigo que falava, foi até o caixa.
—
Ô, Geraldo! Vem cá! Eu acredito na sua firmeza. Vamos voltar. Prometo mudar de
assunto.
—
Eu estou dizendo que vou esquecer a Letícia Cristina e você continua falando
dela. Parece que fica me testando. Que não está confiando em mim.
—
Bem, na verdade eu estou te testando sim. Eu confio em você. Mas duvido que você
vá esquecer a Letícia. Só de me comunicar isso você já está demonstrando que
não vai conseguir esquecer.
—
Te comuniquei porque confiava em você. Agora não confio mais. Vou pra casa.
—
Peraí. Volta. Tá bom. Eu acredito que você vai esquecer a Letícia Cristina.
—
Vou esquecer não. Já esqueci.
—
Esqueceu nada. Vamos apostar que mês que vem você ainda estará falando nela?
—
Vamos.
Eles apertam as mãos entre si.
—
Se você esquecer a Letícia Cristina eu te arranjo uma namorada. Se não esquecer
eu fico com ela.
—
Tchau. Vou embora. Disse Geraldo, aborrecido.
—
Aí! Tá vendo como você não vai esquecer? Tá até com ciuminho.
Geraldo
continuou ignorando o amigo. Desta vez, deixou definitivamente a lanchonete e Severino
falando, rindo sozinho e debochando do rapaz inseguro.
—
Duvido que ele esqueça. Falou alto para si mesmo.
Já
na rua, caminhando, Geraldo repetia em pensamento, como um mantra:
—
Eu vou esquecer a Letícia Cristina. Eu vou esquecer a Letícia Cristina. Eu vou
esquecer a Letícia Cristina.
—
Oi, Geraldo! Disse Letícia Cristina, sorridente e simpática. Bela como sempre.
Advogada, estava de terninho vermelho sobre
uma pequena blusa de malha branca, cobrindo bem os seus seios médios. Seus
cabelos negros e soltos, contrastando com a pele clara, se esvoaçavam ao vento.
Os sapatos de salto mal faziam barulho nos paralelepípedos da barulhenta rua do
centro da cidade.
Vinha em sentido oposto ao de Geraldo, que
apenas sorriu gentilmente. Pensou nela durante a viagem inteira de volta ao
subúrbio onde morava. Letícia voltava do trabalho, a caminho da lanchonete onde
Geraldo estava com Severino. Este a esperava, ansioso por seus beijos
apaixonados.
0 Comentários