Quando
criança, Fernandinho chorava de medo ao ver um bate-bola na rua. Se a turma de clóvis
batesse forte a bexiga de plástico duro e colorido no chão, aí mesmo é que ele
se desesperava. Pedia a mãe pra voltar para casa e ela o debochava, primeiro
aos risos: “Deixa de ser bobo!”, mas depois perdia a paciência e esbravejava
com o filho.
Preocupada
com o medo do menino, a mãe de Fernandinho deixava o baile de carnaval no clube
do bairro antes da hora. Para desespero da irmã mais velha de Fernando, que era
obrigada a interromper o prazer de recolher todos os confetes que eram jogados
no chão por outros foliões. Ela ia para os bailes com um saco na mão e voltava
com dois. Mesmo saindo às pressas do clube, Fernandinho abria o berreiro quando
encontrava um enorme bando de bate-bolas no caminho de volta para casa.
No
ano seguinte, o medo de Fernandinho dos palhaços assustadores continuou. Já não
ia ao clube, com medo de encontrá-los. Um dia, ao visitar a avó em Ramos,
acompanhado do pai, encontrou mais um grupo deles.
Na
segunda-feira de carnaval, voltava da casa da tia materna ao lado da mãe quando
se assustou com uma dezena deles. Fernandinho não chorava mais à toa, mas neste
dia se desesperou tanto, que ficou aos prantos e perdeu o ar de tanto soluçar.
Desmaiou. O líder do grupo ficou tão preocupado que tirou a máscara e o acudiu.
Acompanhou a sua mãe ao hospital onde o menino ficou em observação. Após
melhorar, o rapaz, que aparentava ter uns vinte anos, ironizou, aos risos: —
Você é a vergonha da nossa família! Em seguida, recolocou a máscara,
reencontrou o seu grupo e voltou para a sua folia e seu anonimato.
Sim,
Fernandinho se fantasiava todos os anos de bate-bola. Pedia à mãe uma fantasia
diferente e uma máscara mais assustadora do que a outra a cada ano. O macacão
de viscose era feito sempre pela tia do menino, irmã de sua mãe. A máscara
comprada na Rua da Alfândega.
Mesmo
com a máscara mais feia que usasse, Fernandinho ainda tinha medo dos seus
irmãos de fantasia carnavalesca. Aparecia em muitas fotos com o rosto descoberto
e chorando. O seu macacão colorido de bolinhas ou estrelinhas pretas mais
parecia o de um palhaço. Se quisesse se fantasiar assim ou de pierrô, bastava
pintar o rosto.
Depois
de pagar o mico de ser socorrido por um bate-bola, Fernandinho perdeu o medo.
Parou de se afligir. Descobriu que eles eram do bem. Só queriam se divertir.
Fernandinho entrou na brincadeira. Cada vez que ouvia uma batida de bola, por
mais forte que seja, ele desafiava.
O
tempo passou. Fernandinho cresceu e se cansou de frequentar bailes
carnavalescos no clube, que passou a proibir a entrada de máscaras, por causa
da violência. Não achava graça em ir a um lugar em que não pudesse usá-la. Não
gostava de dançar. Só queria mesmo era assustar. A festa perdeu o sentido. A
irmã, também crescida, já não ia ao baile para recolher outros confetes e sim
para dançar com as amigas, como toda adolescente.
Fernandinho,
por sua vez, não tinha muitos amigos. Foi crescendo, mudando de níveis de
escolaridade, fazendo e desfazendo amizades. Era muito tímido. Não gostava de
sair com eles. Parou de se fantasiar e de brincar. Carnaval para ele, agora, só
assistindo, pela televisão, aos desfiles das escolas de samba. A irmã se casou
e mudou-se para a Inglaterra. Seus pais se transformaram em senhores cansados e
desanimados.
Aos
trinta anos, Fernando também já se desiludiu com os desfiles de escola de
samba. Os quatro dias e meio de carnaval se transformaram em uma boa
oportunidade de descanso e colocar o trabalho em dia, corrigindo a prova dos
seus alunos da faculdade onde dá aula.
Cinco
anos depois, foi tomado por um forte sentimento de nostalgia ao ver, pela
janela, um grupo de bate-bolas passando na rua, na sexta-feira à noite. No
sábado, amanheceu na Rua da Alfândega e comprou uma máscara de látex com uma
figura de um monstro bem feio, uma bola preta, uma capa roxa e, também, um
macacão grená com finas listras brancas. A tia que confeccionava os seus
macacões de criança já havia morrido há muitos anos.
Saiu
fantasiado pelo centro da cidade no domingo de carnaval. Sentiu dois estalos
fumegantes nas costas. Caiu abatido no asfalto ardente do verão carioca. O
sangue lhe escorria por baixo da máscara. Já não ouvia mais um homem desvendar
seu rosto pálido e comentar:
—
Ô Catuaba, seu imbecil! Você acertou o cara errado. Este é um folião comum.
Puta que pariu! Agora vai sujar pra gente! Vamo vazá!
—
Foi mal, chefia.
Duas
horas depois, o IML chegou para recolher o corpo e a polícia iniciar as investigações.
O investigador dizia para o delegado:
—
Tudo leva a crer que ele foi morto por engano.
—
Sei não, mas esse cara não me é estranho. Disse o delegado, um quarentão gordo
de cabelos grisalhos, camisa social com gravata, suspensório e coldre. Um
figurino bem diferente daquele macacão de clóvis que vestia quando ajudou uma
moça a levar o menino Fernandinho, que desmaiou de medo ao vê-lo e que era a
vergonha da família.
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