VAMOS COMIGO, MÃE?

Gustavo do Carmo



A fita na qual o pai gravou as primeiras palavras da filha mais velha registrou o desabafo conjugal de Sofia. Ela dizia, aos prantos, depois do marido ter recusado o seu convite de ir ao cinema naquele domingo de verão, que ninguém a acompanhava em seus passeios. Previu que a menina, ainda bebê, seria a sua fiel companheira em qualquer lugar que fosse.

Foi apenas uma falsa previsão feita no calor da emoção provocada pela discussão. A filha cresceu, se tornou uma mulher independente, já casada e lhe deu netos. Sofia só não imaginava que o seu filho mais novo, nascido dois anos depois daquela gravação, seria o seu maior companheiro.

Só que não era Manfredo quem acompanhava a mãe. Dona Sofia era quem acompanhava o caçula. Quando menino de colo ele queria ir ao parquinho jogar bola e era a mãe quem o levava. Dona Sofia estava presente em todas as festinhas escolares do filho e, também, nos torneios de futebol mirim do clube do bairro.

Sofia era a única presença garantida no vestiário do time. Os companheiros encarnavam, a senhora ficava constrangida, mas Manfredo nem se importava. Afinal era ele quem insistia. Sempre com o mesmo pedido:

— Vamos comigo, mãe?

Para acompanhar Manfredo ao médico e passear no shopping, Sofia não se importava. Ao primeiro, só ia porque tinha a certeza de que homem só vai ao médico acompanhado de uma mulher. Mas o constrangimento aumentava quando o filho insistia que ela o acompanhasse nos passeios com os amigos. E ele já tinha quinze para dezesseis anos. Quando a mãe não podia ir, Manfredo tinha a sua alternativa: também não ia.

Assim que o seu menino se transformou em um homem adulto, aos dezoito anos, Dona Sofia teve esperanças de que ficaria livre dos convites do filho. Pura ilusão. Ainda teve que acompanhá-lo nas noitadas, viagens com os colegas da faculdade e até na entrevista de emprego.

Manfredo foi aprovado e começou a trabalhar aos vinte anos como estagiário de uma agência de publicidade. Como, se a mãe não larga do pé dele? Felizmente, neste dia deixou a mãe esperando na recepção.

E é este o segredo para Dona Sofia acompanhá-lo em todos os lugares que ia sem atrapalhar: ela ficava apenas na espreita. Manfredo não precisava da companhia permanente da mãe. Só a sua proximidade no local já bastava para deixá-lo tranqüilo.

Foi assim que ele marcou o nosso primeiro encontro. Nos conhecemos num bate-papo na internet e começamos a conversar. Depois de alguns meses de muita conversa e namoro virtual, sugeri que precisávamos nos ver pessoalmente. Manfredo propôs um bar num shopping. Ele descreveu para mim, sem mentir, todas as suas características físicas: branco, cabelos pretos e cacheados, olhos verdes, óculos de aro fino, altura média e um pouquinho de barriga. Manfredo também me disse que estaria com uma camiseta azul.

Chegou o dia. Eu ansiosíssima para conhecê-lo. Levei um susto quando vi um rapaz com as mesmas características dele entrando no bar acompanhado de uma senhora baixinha, gordinha, de óculos e cabelos tingidos de louro, aparentando uns setenta anos. Caramba! Será que ele trouxe a mãe para o nosso primeiro encontro? Eu estava sentada na cadeira da copa do bar e este homem sentou-se na mesa com a mãe. Fiquei aliviada. Por pouco tempo.

Cinco minutos depois, eu tinha me virado de frente para o balcão e de costas para a entrada e as mesas quando alguém me tocou. Era ele. Manfredo. O mesmo rapaz que eu conheci na internet. O mesmo que chegou ao bar acompanhado da mãe. Ele só me reconheceu porque eu era a única morena clara de cabelos longos, lisos e pretos, olhos levemente puxados e seios médios sentada sozinha no balcão.

Por pouco não joguei o drink na cara dele. Mas ele era tão bonito que fiquei com pena. E também apaixonada. Na nossa primeira conversa física, ele sequer mencionou a mãe. Nos beijamos. Somente uma hora depois ele decidiu me levar à sua mesa e me apresentar à Dona Sofia, que se tornou presença constante em todos os nossos encontros.

Um dia, já íntima da família e com dois anos de namoro, criei coragem e perguntei a Dona Sofia, na lata, porque o filho sempre a levava em todos os lugares que ia. Não que eu não gostasse dela, me desculpei assim. Mas falei com sinceridade que em alguns casos a presença dela era inconveniente. Ela me respondeu que ele, desde criança, sentiu-se superprotegido pela mãe e que ficou com pena da tal fita que ouviu aos seis anos de idade. Ela tentou afastar-se do filho. Mas ele a convidava sempre com a mesma pergunta:

— Vamos comigo, mãe?

A cada vez, o tom da pergunta era ainda mais carente. E acabava ficando piedosa. Procurou até um psicólogo para curar a mania do filho. Mas não adiantou, ela mesma confessou que já estava dependente da companhia de Manfredo. Se sentia sozinha e abandonada pela filha independente e o marido que pediu o divórcio. O terapeuta só serviu para diminuir o constrangimento. Foi o clínico quem sugeriu que Dona Sofia ficasse apenas por perto e não participar ativamente dos compromissos de Manfredo.

Por um bom lado, isso ajudou a controlar os desejos sexuais de Manfredo, pois eu também só queria transar depois do casamento que aconteceu em três anos. Manfredo já estava formado em publicidade e trabalhando como diretor de criação da agência. Ganhava bem. Assim que foi promovido, contratou Dona Sofia como sua secretária.

Casamos no Outeiro da Glória numa cerimônia muito bonita e uma festa bastante luxuosa. Chegamos e saímos da igreja e da recepção num Jaguar. Papai, que era rico, também colaborou para a elegância da festa. Fomos passar a lua-de-mel em Dubai.

Não me surpreendi, mas não gostei quando encontrei Dona Sofia no avião e depois na recepção do hotel sete estrelas. Tivemos a nossa primeira noite de amor, três anos depois de nos conhecermos naquele bar do shopping. Tive cinco orgasmos e gemi de prazer como uma leoa. Por sorte, nenhum dos hóspedes e funcionários hotel ouviu. O quarto tinha bom isolamento acústico. A exceção foi Dona Sofia, que assistiu a tudo no quarto como uma espectadora de filme pornô.

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