FALTA DE ASSUNTO



Conto de Gustavo do Carmo

 

— Lula é inocente. O que está havendo é uma grande trama arquitetada pelo judiciário e a mídia para impedi-lo de voltar a ser presidente e salvar...

— Ah, vamos mudar de assunto! Se a gente for falar de política aqui, nós vamos quebrar o pau aqui no meio da lanchonete. Eu votarei no Bolsonaro porque, até agora, é o único candidato aparentemente honesto e o Brasil precisa de ordem!

— E o que o seu candidato vai fazer pela economia?

— Já disse! Vamos mudar de assunto!

— Tudo bem. Vamos falar de futebol, então?

— Pode ser.

— Então, tá! Viu o jogo do Vascão ontem?

— Vi. Jogou mal pra caramba. Foi pressionado o jogo inteiro. Por pouco não perdeu.

— Mas ganhou. E é isso o que importa.

— Ganhou roubado. Aquele gol foi em impedimento.

— Tá louco! Você fala isso porque o seu Menguinho perdeu.

— Pior do que perder é perder roubado. E pressionar o jogo inteiro e levar um gol impedido.

— Vocês flamenguistas não sabem perder.

— E vocês vascaínos não sabem ganhar.

— Vamos mudar de assunto também.

— Ok. Você já viu aquele filme Fome de Poder? Que conta a história do crescimento da McDonald’s?

— Não gosto de McDonald’s. Acho muito capitalista para o meu gosto.

— Você gosta do quê, então?

— Eu gosto de filme de guerra. Amo Tropa de Elite, Cidade de Deus, Carandiru...

— Odeio esses filmes. Filme que glamouriza favela eu odeio.

— Vamos falar de carro, então.

— Claro.

— Estou querendo comprar um Renault Kwid. Que carro lindo!

— É bonitinho, mas ordinário. É mal acabado, motor fraco. O interior dele é todo de plástico duro.

— É mais fácil pra limpar.

— E pra dar barulho também. Além disso, já foi chamado umas três vezes para conserto. A Renault deveria ter lançado o Twingo europeu. Mas trata brasileiro como se fosse lixo.

— Você é muito fresco com carro. Carro moderno só dá problema.

— Não dá, não! Vectra, Golf, Uno velho... esses carros foram feitos iguais aos países europeus de primeiro mundo e duraram bastante. Esses Renaults vendidos atualmente são todos romenos ou indianos. Uma porcaria.


Contrariado, Juca revira os olhos e tenta um novo assunto com o amigo Rodolfo.


— E de novela? Você gosta?

— Só das antigas que passam no Viva. Dessas atuais eu odeio. A Força do Querer é a apologia ao tráfico, Deus Salve o Rei é uma bobagem. Tempo de Amar é bem melosa, de vez em quando até vejo com o meu pai. O Outro Lado do Paraíso só tem gente querendo passar a perna no outro. Um porre. Eu gostava de Pega-Pega. Mas mesmo assim, incentivava assalto.

— Você está precisando da unção do pastor, hein? E assistir às novelas da Record.

— Em primeiro lugar eu sou católico. Em segundo lugar, essas novelas da Record só sabem jogar o povo contra o catolicismo. É uma doutrinação da Igreja Universal.

— Meu amigo, vou indo. Foi um prazer conversar com você.

— Igualmente, Juca.


Rodolfo não percebeu que Juca se despediu irônico e bufando do amigo sempre discordante. Os dois nunca mais se falaram por absoluta falta de assunto. Em comum.

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