A
música acabou e ele continuou sentado, de barriga pra cima, com o pescoço
desconfortável, segurando uma tigela que há dois minutos tinha três bolas de
sorvete. De abacaxi ao vinho. Economizou no arroz para comprar o pote.
A
música acabou. Era um disco compacto. Duas faixas de cada lado. Mas ele não
gostava do lado A.
Ficou
estirado no sofá.
Os seus
amigos viriam a qualquer momento. E ele ali no sofá.
Adormeceu.
Acordou
com as batidas na porta.
Deixou que
batessem.
Ô, não
vai abrir essa porra, não?, disse o amigo José, pendurado na janela da sala.
Sorria.
Os
outros do lado de fora protestavam.
Ele
continuou no sofá, meio assonado.
O amigo
José entrou pela janela. Caiu.
Pôs-se
de pé e limpou a jaqueta de couro. Passou pelo amigo e deu um tapinha em sua
cabeça.
O amigo
José foi até a porta, abriu-a e os outros amigos entraram.
1, 2,
3, 4...
Com o
pote de sorvete ainda na mão, perdeu-se na conta.
Havia
gente por todo seu apartamento. Ele morava no térreo.
Olhou
para fora e já estava amanhecendo. Devia ser umas 4 ou 5 da manhã.
Pô,
você não falou que ia vim 10 horas, José?
Ah, a
gente perdeu a hora.
Alguém
plugou o celular numa caixinha de som e começou uma música eletrônica.
Pô isso
aí, não. Uma música decente, por favor!
Relaxa,
cara...
Pô,
José, você falou que ia vim umas 4 pessoas!
Eu quis
dizer quarenta, disse o amigo José.
Uma
mulher sentou no seu colo, de frente pra ele. Pegou o pote e jogou-o para trás.
Sorvete derretido caiu sobre a cabeça de um. Esse um deu uma risada e continuou
dançando.
A
mulher abriu o zíper e colocou a mão dentro de sua calça.
Ele se
surpreendeu no início, mas não protestou.
Alguém
disse algo como, Olha só, o cara tem vitrola. E colocaram o compacto pra tocar.
O lado
que ele não gostava começou.
De novo,
ele não reclamou. Apenas relaxou.
Uma
buzina soou. E mais uma vez.
Homens
trazendo caixas e caixas de cerveja. Um deles entregou uma latinha a ele,
aberta e gelada.
A
música ficava cada vez mais alta.
Olhou
para o lado e viu outros casais na mesma situação dele.
A
mulher no seu colo parou.
Ficou
sentada do seu lado.
Começou
a filosofar, sobre a vida e a brevidade de tudo.
Ele
achou interessante. Ela pegou duas cervejas pra eles.
Um cara
chegou perto. Ele recusou educadamente.
A
mulher não quis dizer o nome.
Misteriosa,
pensou. Legal.
Perguntou
qual era o seu telefone. Ela disse que não tinha celular.
Hummm,
ele murmurou.
Voltaram
a filosofar.
O amigo
José dançava e dançava. Bebia e bebia.
Ele
também, bebia.
Falavam
agora de conspirações. Ela acreditava nos verdinhos, ele era indiferente.
Ele se
cansou dela depois que começaram a falar de espiritismo. Mas depois disso, o
apocalipse equilibrou as coisas.
Eram
seis.
Tinha
que ir trabalhar.
Ela
disse, dá aí o teu telefone. Qual é o número do teu trabalho?
Ele
deu.
Ela
disse, o... Qual o seu nome...? Ah, tá... O Antônio não vai trabalhar hoje...
Tá doente. Hã? Ah, então vai pra puta que pariu!
Depois de
alguns segundos desligou.
Você tá
demitido... Acho que ouviram a música.
Tudo
bem, disse ele. Me dá um beijo.
Ela
deu.
Mais
uma cerveja apareceu na mão dele.
Bebeu.
Ela tragou
um cigarro. Soprou a fumaça na cara dele. Ele não se importou.
Conto de Lucas Beça
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