Jorge
entrou na cozinha. Pegou um copo do armário, abriu a geladeira e colocou um
pouco de água gelada. Bebeu para tentar se estabelecer após o incidente com o
velho amigo.
Aquela
alucinação que havia o deixado em paz desde que cedeu a medicação no hospital
psiquiátrico. Para onde os loucos são
mandados quando não tem mais o que se fazer, pensa ele, ao colocar o copo
vazio no mármore da pia.
Foram
tempos difíceis lá. Sem ninguém para conversar, pelo menos ninguém com quem ele
queria conversar. A cada grito vindo de um dos quartos vizinhos um sentimento
apavorante de que poderia acabar daquele jeito.
Mas
passou. Agora ele estava na casa de sua filha e tudo iria ficar bem. Talvez
conhecesse alguém, se apaixonaria e viveria uma vida normal, chata, rotineira e
sem amiguinhos alienígenas falando em seu ouvido.
É
claro que isso talvez demorasse um pouco, afinal a menos de quarenta e oito
horas ele estava em um quarto de hospício. Um centro psiquiátrico, para aqueles que gostam de palavras
amenizadas. Mas Jorge não era uma dessas pessoas. Ele gosta das coisas como
elas são, mesmo que não diga isso abertamente. Dizer a verdade na lata para ele
mesmo já era o suficiente.
As
confusões mentais sofridas em decorrência dos remédios ainda o deixavam
assustado, com medo de não voltar a ser o mesmo que ele era anos atrás. Ainda
mais por ter que continuar a tomá-los fora do hospício.
Ver
o seu amigo alien mesmo com as pílulas estava o deixou preocupado. Muito
preocupado. E se tivesse que voltar para lá? O período de quando ele foi para o
hospício era um borrão, então ele não sabia o que tinha acontecido para que ele
tivesse sido ser internado.
A
sua preocupação era voltar para lá e nunca mais sair. Conversou com pessoas que
estavam há muito tempo enclausuradas. Diziam que a cada ano menos pessoas
apareciam para visitar. Jorge já tinha poucas pessoas em sua vida. Ficaria
completamente sozinho.
Ele
encarou o copo vazio. Cruzou os braços e apenas o encarou. Fez isso por eternos
dois minutos. Depois virou-se para ir ao seu quarto, onde pegaria suas compras:
os biscuits. Sentaria à mesa da sala de estar e passaria horas fazendo sua
“terapia”. Como era bom esses momentos lá no hospício.
Era quando
ele relaxava. Não sabia exatamente o que acontecia com ele quando estava
fazendo esse trabalho. Um tanto inútil, ele diria anos atrás. Simplesmente
ficava contente. Com o copo um pouco menos vazio.
Mas
para fazer isso, teria que: ir até o quarto, pegar a sacola de plástico com os
materiais, sair do quarto, passar pela cozinha de novo, chegar à sala,
sentar-se na cadeira, colocar o material sobre a mesa e começar a trabalhar.
Teria
que se virar. Deixar de encarar aquele copo. Virou-se. Virou-se e se deparou
novamente com o seu amiguinho.
Deu
passos para trás, parando somente quando sentiu o frio da pedra de mármore em
sua cintura. Começou a suar frio. Seu coração acelerou. Segurou-se na cadeira à
sua frente para não cair. Os olhos começaram a embasar. Tinha que fazer alguma
coisa.
O
mais rápido que pode correu para o seu quarto. O alien o encarava, encostado à
porta, com o pequeno charuto pendurado na boca. Tinha uma expressão de
impaciência. Jorge nunca o tinha visto assim. Sempre estava sorridente, o
sacaneando, contando piadas (ruins), dizendo loucuras e bobagens. Nunca o tinha
visto bravo com ele.
Jorge
entrou no quarto. Abriu sua caixinha de remédios afoito. A mão tremendo fez com
que a caixa caísse no chão, espalhando pílulas pelo quarto todo. O desespero
foi aumentando. Não, de novo não! Eu não
quero voltar. Eu não quero voltar, repetia para si mesmo.
Ajoelhou-se
e pegou uma pílula. Pegou outra, e outra. Ao se levantar tropeçou na perna da
cama. Caiu de cara no chão. Começou a doer. Ele desabou por completo. Desistiu.
Uma lágrima começou a escorrer por seu rosto. Passou a mão em seus cabelos
bagunçados, que estavam já muito grandes. No tempo em que ficou internado eles
começaram a ficar brancos. Sua barba também. Aquilo devia ser sinal de alguma
coisa.
Ele
ficou ali no chão. Deitado. Sem forças. Chorando. Soluçando. Sentiu vergonha
por estar assim. As pílulas que estavam em sua boca começaram a ficar com um
gosto ruim. Ele as engoliu a seco. O que foi dolorido.
“Tsc, tsc...”
Lentamente
Jorge levantou a cabeça e viu o pequeno alienígena andando a lentos passos em
sua direção. Ele parou. Descruzou os bracinhos. Tirou o charuto da boca e deu
uma baforada na cara de Jorge. Suas sobrancelhas arqueadas demonstravam
decepção.
“Como
é que eu vou treinar você, um velho patético, pra ser um dos campeões em uma
guerra? Era melhor eu não ter feito a minha inscrição na última hora. No fim
peguei um fracote.”
Terceira parte do conto de Lucas Beça
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