Jorge e o visitante – Parte 3



Jorge entrou na cozinha. Pegou um copo do armário, abriu a geladeira e colocou um pouco de água gelada. Bebeu para tentar se estabelecer após o incidente com o velho amigo.


Aquela alucinação que havia o deixado em paz desde que cedeu a medicação no hospital psiquiátrico. Para onde os loucos são mandados quando não tem mais o que se fazer, pensa ele, ao colocar o copo vazio no mármore da pia.

Foram tempos difíceis lá. Sem ninguém para conversar, pelo menos ninguém com quem ele queria conversar. A cada grito vindo de um dos quartos vizinhos um sentimento apavorante de que poderia acabar daquele jeito.

Mas passou. Agora ele estava na casa de sua filha e tudo iria ficar bem. Talvez conhecesse alguém, se apaixonaria e viveria uma vida normal, chata, rotineira e sem amiguinhos alienígenas falando em seu ouvido.

É claro que isso talvez demorasse um pouco, afinal a menos de quarenta e oito horas ele estava em um quarto de hospício. Um centro psiquiátrico, para aqueles que gostam de palavras amenizadas. Mas Jorge não era uma dessas pessoas. Ele gosta das coisas como elas são, mesmo que não diga isso abertamente. Dizer a verdade na lata para ele mesmo já era o suficiente.

As confusões mentais sofridas em decorrência dos remédios ainda o deixavam assustado, com medo de não voltar a ser o mesmo que ele era anos atrás. Ainda mais por ter que continuar a tomá-los fora do hospício.

Ver o seu amigo alien mesmo com as pílulas estava o deixou preocupado. Muito preocupado. E se tivesse que voltar para lá? O período de quando ele foi para o hospício era um borrão, então ele não sabia o que tinha acontecido para que ele tivesse sido ser internado.

A sua preocupação era voltar para lá e nunca mais sair. Conversou com pessoas que estavam há muito tempo enclausuradas. Diziam que a cada ano menos pessoas apareciam para visitar. Jorge já tinha poucas pessoas em sua vida. Ficaria completamente sozinho.

Ele encarou o copo vazio. Cruzou os braços e apenas o encarou. Fez isso por eternos dois minutos. Depois virou-se para ir ao seu quarto, onde pegaria suas compras: os biscuits. Sentaria à mesa da sala de estar e passaria horas fazendo sua “terapia”. Como era bom esses momentos lá no hospício.

Era quando ele relaxava. Não sabia exatamente o que acontecia com ele quando estava fazendo esse trabalho. Um tanto inútil, ele diria anos atrás. Simplesmente ficava contente. Com o copo um pouco menos vazio.

Mas para fazer isso, teria que: ir até o quarto, pegar a sacola de plástico com os materiais, sair do quarto, passar pela cozinha de novo, chegar à sala, sentar-se na cadeira, colocar o material sobre a mesa e começar a trabalhar.

Teria que se virar. Deixar de encarar aquele copo. Virou-se. Virou-se e se deparou novamente com o seu amiguinho.

Deu passos para trás, parando somente quando sentiu o frio da pedra de mármore em sua cintura. Começou a suar frio. Seu coração acelerou. Segurou-se na cadeira à sua frente para não cair. Os olhos começaram a embasar. Tinha que fazer alguma coisa.

O mais rápido que pode correu para o seu quarto. O alien o encarava, encostado à porta, com o pequeno charuto pendurado na boca. Tinha uma expressão de impaciência. Jorge nunca o tinha visto assim. Sempre estava sorridente, o sacaneando, contando piadas (ruins), dizendo loucuras e bobagens. Nunca o tinha visto bravo com ele.

Jorge entrou no quarto. Abriu sua caixinha de remédios afoito. A mão tremendo fez com que a caixa caísse no chão, espalhando pílulas pelo quarto todo. O desespero foi aumentando. Não, de novo não! Eu não quero voltar. Eu não quero voltar, repetia para si mesmo.

Ajoelhou-se e pegou uma pílula. Pegou outra, e outra. Ao se levantar tropeçou na perna da cama. Caiu de cara no chão. Começou a doer. Ele desabou por completo. Desistiu. Uma lágrima começou a escorrer por seu rosto. Passou a mão em seus cabelos bagunçados, que estavam já muito grandes. No tempo em que ficou internado eles começaram a ficar brancos. Sua barba também. Aquilo devia ser sinal de alguma coisa.

Ele ficou ali no chão. Deitado. Sem forças. Chorando. Soluçando. Sentiu vergonha por estar assim. As pílulas que estavam em sua boca começaram a ficar com um gosto ruim. Ele as engoliu a seco. O que foi dolorido.

“Tsc, tsc...”

Lentamente Jorge levantou a cabeça e viu o pequeno alienígena andando a lentos passos em sua direção. Ele parou. Descruzou os bracinhos. Tirou o charuto da boca e deu uma baforada na cara de Jorge. Suas sobrancelhas arqueadas demonstravam decepção.

“Como é que eu vou treinar você, um velho patético, pra ser um dos campeões em uma guerra? Era melhor eu não ter feito a minha inscrição na última hora. No fim peguei um fracote.”


Terceira parte do conto de Lucas Beça

Postar um comentário

0 Comentários