- Você se acha tão foda,
né?
Ela parou o que estava
fazendo. Escrevia.
- É, e você se acha o
quê?
- Eu? Nada. Sou um nada.
Mas você não, você é fodona.
Ela ergueu as
sobrancelhas.
- Não, não me leve a
mal, digo isso num bom sentido, sabe? Acho você foda.
Ela estreitou os olhos.
- Humm. Bom mesmo.
Ele riu. Jogava bilhar.
- Tá melhorando nisso
aí?
Ele achava que sim, mas
sentia que não.
- Não sei.
- Humm.
- E aí?
- O que que tem?
- Como é que ta a
história.
- Não parece bem uma
história. São cenas que se costuram.
- Cenas que se costuram,
ele disse, pensativo, para si mesmo. Sabe o que você devia fazer?
- Não.
- Escrever um roteiro.
- Um roteiro?
- É, tipo, um roteiro
mesmo. Com personagens, falas, ação... mas não ação tipo filme de super-herói,
mas ação tipo uma história que vai pra algum lugar.
- To pensando em parar
de escrever.
Ele pegou o taco e
colocou atrás do pescoço.
- Humm.
- O quê?
- Sei lá. Pensei que não
queria saber de outra coisa além de escrever, ser escritora.
- É, eu sei, mas...
falta alguma coisa na minha vida. Quero tentar outras coisas, e... parece que
já disse tudo que tinha que dizer no papel.
- Te entendo.
- Mesmo?
- Não. Mas eu não vou
ser de muita ajuda. Eu trabalho, recebo salário no começo do mês, pago minhas
contas e no final de semana se sobrar compro umas cervas. Não fico pensando em
legado, ou coisas do tipo.
- Esse é o ponto. Não me
importo com legado, também. Talvez eu ajudasse mais o mundo se me juntasse a
uma instituição de caridade ou fazer algum projeto social, sei lá.
- Vira médica.
- Não, odeio cheiro de
hospital.
- Há há há! De tantas
coisas pra odiar na profissão de médico, você não gosta é de cheiro de
hispital?
- É.
- Ta bom, então.
Ela tirou a folha da
máquina de escrever. Gostava de ser diferente. Apesar do trabalho de ter que
digitar no computador depois.
Amassou-a. jogou em
direção a cesta. Errou.
Ele pegou a folha,
desamassou, e leu.
- Não está tão ruim.
- Está sim.
Ele ficou em silêncio
por alguns segundos.
- É, tem razão.
Ela colocou a máquina de
escrever de volta na maleta. Era uma portátil.
- Acho melhor começar a
preparar a macarronada. O pessoal deve estar chegando com a bebida.
Ela deixou a maleta
dentro da mala, no quarto com três beliches
em que ela iria ficar.
Quando ela voltou na
cozinha, ele estava na porta, com o taco de pé, a ponta sobre seu pé.
- Ta falando sério
mesmo? Sobre... parar com tudo?
- To... To falando sério
mesmo.
- Nossa.
- As pessoas mudam,
Pedro.
- Mudam mesmo?
Ela parou.
- Bom... sei lá. Eu
mudei.
Ele ficou encarando. Ela
começou a procurar as panelas.
- Aonde ta a panela?
Ele apontou. O senhor
que alugou o sítio para ele mostrou tudo, detalhe por detalhe, como as coisas
funcionavam ali.
- Ah, achei.
Ela foi até a pia. Pôs a
panela lá dentro e encheu-a de água.
- Isso é tudo, senhorita
Pâmela?
- Isso é tudo, senhor
Pedro.
Conto
de Lucas Beça
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