CONVIDADO DO MÊS - Poeta Álvaro Alves de Faria*
AQUELE HOMEM
Sou aquele homem que não
voltou,
que saiu de casa ao
amanhecer
e se perdeu para sempre.
Sou aquele homem da
fotografia na parede
da casa fechada por
dentro.
Sou aquele homem que
inventou a tarde,
mas não viu anoitecer.
Sou aquele homem que se
perdeu sem saber.
Aquele que não soube
nunca,
sou aquele que não soube.
Sou aquele homem que
desapareceu,
aquele que acreditou,
e ao se ausentar de si
mesmo
sentiu o vazio absoluto de
todas as coisas.
Sou aquele homem que se
foi
e quando pensou em voltar
não tinha mais tempo,
era tarde demais.
Sou aquele homem que se
desfez
depois de enlouquecer
e enlouquecido
tentou refazer o seu
destino.
Sou aquele homem que
engoliu
um rio
e se afogou adormecido.
Aquele que falou sozinho
diante do espelho
se vendo do avesso.
Sou aquele homem que
falava com as pedras
palavras desesperadas
que saltavam da boca
como gafanhotos doentes.
Aquele homem que
conversava com os santos
numa igreja sem portas
e que dizia silêncios
em sílabas de gesso.
Sou aquele homem
que enfiou um punhal no
coração
como um poeta romântico
do século 18.
Sou aquele homem quase
lírico
que chamava os pássaros
para uma ceia de sementes.
Aquele homem que rezava
com os anjos expulsos do
céu,
sem saber que eu estava
expulso de mim.
Sou aquele homem que amou
30 mulheres
e matou-se por amor 29
vezes.
Sou aquele homem que ao
jogar xadrez
fugiu com a Rainha
para um castelo medieval.
Aquele que diante de Deus
pediu para ser destruído,
mas como castigo deixou-me
viver mais.
Sou aquele homem que amou
mulheres de porcelana,
com sexo de porcelana,
boca de porcelana,
beijo de porcelana,
língua de porcelana.
Sou aquele homem de
porcelana
que se quebra como uma
xícara
que cai da mesa.
Sou aquele homem que saiu
para dar uma volta
e esqueceu de regressar.
*ÁLVARO ALVES DE FARIA, jornalista, poeta e escritor. Autor de mais de 50 livros no Brasil, em vários gêneros, como romances, ensaios literários, mas é fundamentalmente poeta. É também autor de Teatro. Tem 18 livros publicados em Portugal e 7 na Espanha. Traduzido para 13 idiomas. Foi o iniciador do movimento de recitais públicos de poesia em São Paulo, no final dos anos 60. Dedicou-se por 15 anos à poesia portuguesa. Como crítico literário no jornalismo cultural recebeu por duas vezes o Prêmio Jabuti e por três vezes o Prêmio Especial da Associação Paulista de Críticos de Arte. Uma das vozes mais importantes da geração 60 dos Poetas de São Paulo.
Twitter https://twitter.com/alvaro_de_faria
Site http://www.alvaroalvesdefaria.com/
1 Comentários
Admiro suas poesias, mesmo as "curtas" do twitter.