Conto de Gustavo do Carmo
Perdeu a vontade de se casar.
Não se achava preparado, não queria ficar preso a um relacionamento e
vulnerável a uma crise de ciúmes. Na verdade, Renan teve uma crise de
insegurança. De medo.
Veridiana era uma mãe para
ele. Era a candidata a esposa perfeita. Além de bonita e de corpo escultural, ajudava
a revisar os seus contos e roteiros, fazia companhia a ele para assistir aos
seus programas de carro e novelas, entendia tudo de futebol e torcia para o mesmo
time dele, acompanhava-o nas livrarias, no cinema, no teatro e cozinhava para
ele. Também o indicou para trabalhar na produtora de cinema da mãe dela.
Renan ainda tinha ótimas
relações com a família da noiva. Todos muito divertidos e atenciosos com ele,
seus pais, sua irmã e seu cunhado. E nunca foram preconceituosos com a origem
de classe média baixa de Renan.
O casamento de Renan tinha
tudo para ser feliz. Por isso, romper o noivado, dizer um não para o padre ou
abandonar Veridiana no altar seria, mais que um escândalo, um pecado. Mas Renan
perdeu a vontade de se casar. Teve crise de insegurança. De medo.
Para não cometer essa
ingratidão, esse desrespeito, Renan foi mais discreto. Fez questão de visitar
Veridiana no dia da prova do seu vestido de noiva. Ele acreditava naquela velha superstição de
que ver a noiva paramentada antes do casamento dá azar. E queria que desse
mesmo.
Soube da prova através da
cunhada pré-adolescente, irmã de Veridiana, que desconhecia esta tradição.
Informado, correu até o seu
apartamento. Foi naturalmente barrado pela mãe e a tia da noiva. Mas ele as
distraiu e foi até o quarto de Veridiana, que ficou indignada com a invasão e
lhe alertou que dava azar. Renan respondeu que não acreditava nessa bobagem e
disse que ela estava linda com aquele tomara que caia bem decotado branco gelo.
Todos levaram na
brincadeira. A mãe de Veridiana perdoou a filha mais nova por dar com a língua
nos dentes. Casaram-se. A cerimônia e a festa foram lindas. Tiveram uma filha, chamada
Valquíria. Renan se tornou um escritor rico e famoso.
Não dá para dizer que
flagrar propositalmente Veridiana vestida de noiva antes do casamento deu
sorte. Quando Valdirene, a filha de Valquíria, ia se casar, seu noivo repetiu o
gesto de Renan. A avó não impediu o ato do futuro genro da filha, pois
acreditava que isso deu sorte a eles. As mulheres da família ouviram um grito
de dor.
Veridiana teve um AVC
fulminante ao ver a neta morta e ensanguentada, após ser esfaqueada pelo noivo,
que tinha acabado de descobrir uma traição de Valdirene. Estava a dias de
comemorar bodas de ouro com Renan, que descobriu, no velório duplo, que também
foi traído pela esposa de longa data ao ver o amante rico aos prantos sobre o
seu caixão e também morrer de enfarte.
Depois de cinquenta anos,
Renan confessou ao irmão que perder a vontade de se casar com Veridiana não era
um medo, uma fraqueza e muito menos uma crise de insegurança. Era uma convicção.
E fazer questão de ver a noiva antes do casamento foi uma vingança sutil.
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