Disse, e saiu de perto da janela


O homem levou o gravador até perto de sua boca e apertou o botão que iniciaria a gravação.


Hesitou por um momento.

“Estou aqui nessa manhã fria de novembro. Já já vai começar a esquentar e terei que tirar o casaco e contemplar a quentura desse país que se chama Brasil. Olho para fora e não vejo ninguém. Às seis em ponto começarão a aparecer no ponto de ônibus aqui perto os homens e mulheres que tem que pegar o transporte para ir trabalhar nas cidades vizinhas. A padaria na rua detrás já deve estar com movimento iniciado de pessoas a procura de pães quentes fresquinhos. E eu estou aqui. Na minha missão de relatar, de refletir sobre o estado de todas as coisas. Longe das propagandas que passam na televisão. Dos discursos inflados ou inúteis que enchem as ondas de rádio. Estou apenas eu e mais ninguém. Todos estão dormindo. Eu estou cuidando da minha sanidade. Porque apenas eu sei que isso me fará bem. Os outros não se importam. Querem apenas suas barrigas cheias e suas necessidades satisfeitas. É isso. O mundo é cruel. Todos os dias esbarramos na morte. O banal está aí ao seu lado e você teima em achar que você está longe dele.”

Ele parou. Ficou vendo gravador funcionar.

Fechou os olhos e respirou fundo. Apertou o botão que pararia a gravação.

“Bom. Muito bom.”

Disse, e saiu de perto da janela.


O homem levou o gravador até perto de sua boca e apertou o botão que iniciaria a gravação.

“Esse é o meu segundo e último relato. Não vou fazer mais relato nenhum. É perda de tempo. Tempo precioso que eu poderia estar bebendo ou fumando ou fazendo qualquer idiotice que me afastará desses pensamentos confusos.”

Hesitou por um momento.

Fechou os olhos e respirou fundo. Apertou o botão que pararia a gravação.

“Adeus.”

Jogou o gravador pela janela.


Conto de Lucas Beça

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