Foi
a primeira vez que Pierre passou o carnaval com uma namorada. Até o ano
anterior ele sempre ficava em casa, assistindo, com os pais, aos desfiles de
escolas de samba pela televisão. Aos bailes ele só ia quando criança, nas
matinês, e mesmo assim não gostava muito. Detestava aglomeração pública. Sempre
passava mal.
Foi
obrigado a enfrentar o seu medo e
disfarçar o seu repúdio a multidão depois que Colombina o intimou a
acompanhá-la na passagem do bloco do Cordão do Bola Preta, justamente o maior
do país, que desfilou no sábado de carnaval.
—
Se você não for comigo, o nosso namoro está terminado! Ameaçou.
—
Pôxa, amor! Eu não posso. Eu tenho fobia social. Eu passo mal quando vejo muita
gente aglomerada.
—
Mas você tem que enfrentar isso. Faz parte do seu tratamento.
Colombina
tinha razão. E sua psicóloga já havia recomendado isso. E lá foi Pierre
enfrentar a multidão na Praça Quinze, onde se concentrava o bloco. O casal
estava fantasiado. Ela de colombina e ele com o rosto pintado de branco, como
um pierrô choroso. A fantasia só não estava completa por causa do forte verão
carioca. Ele de camiseta listrada e ela com collant e saia de bailarina.
Provavelmente,
havia umas cem mil pessoas por metro quadrado, mesmo imaginando que isso fosse impossível. Não dava para andar. Teriam que dar passos de
pinguim. O barulho era infernal. O som dos instrumentos da bateria vibrava o
seu peito. Parecia que alguém apertava o seu tórax. Uma conversa ali era
impraticável. E nem adiantava elevar a voz porque o ritmo era mais alto que o
limite de elevação de uma voz.
Na
quinta batida da bateria, Pierre começou a passar mal. Sentiu dor no peito,
suou frio no ardente verão carioca e sua visão escureceu. Parecia que estava
tendo um infarto. Mas era só uma crise de pânico. Conversando com as suas
colegas jornalistas, Colombina não tinha percebido até ser avisada por um amigo
moreno e musculoso que o seu namorado estava passando mal atrás dele.
Pierre
foi levado pelo mesmo musculoso para um curralzinho vip, livre de aglomeração,
para descansar. O homem ofereceu-lhe uma água e disse que ia avisar à sua
namorada. Mesmo sabendo que o amado não queria ir ao bloco, ela correu para lhe
prestar socorro e pedir desculpas por tê-lo obrigado a acompanhá-la.
Encontrou
Pierre sentado, respirando fundo e foi logo dizendo carinhosamente:
—
Pôxa, amor. Me perdoa. Eu não sabia que o seu problema era tão grave.
—
Tudo bem. Já estou melhorando. Pode ir curtir o seu bloco.
—
Não. Não. Eu te levo pra casa. Do jeito que você está, vai acabar se perdendo
na multidão.
—Eu
não quero atrapalhar a sua diversão. Pode curtir o desfile.
—
Não. Eu vou com você.
Pierre
sentiu-se vitorioso, mas, ao mesmo tempo, culpado por ter tirado a namorada daquela
muvuca barulhenta e divertida (para ela). Colombina passou o resto do sábado
com ele, um pouco contrariada. Assistiram juntos ao desfile das escolas de
samba do segundo grupo pela televisão.
No
domingo e na segunda teve que ir trabalhar, como repórter, na transmissão do
desfile do grupo especial. Não teve tempo para curtir. Novamente de folga na
terça-feira gorda, quis porque quis ir ao desfile do Monobloco. Tentou
convencer Pierre. Desta vez, o namorado recusou irredutível. Deixou ela ir.
Levou
uma bronca dos pais e da irmã por ter deixado a primeira namorada curtir o
carnaval sozinha. A mãe ficou dizendo
que ele precisava superar a sua fobia social, mesmo se estivesse passando
mal.
Cansado
das cobranças, Pierre saiu da sala no exato momento em que o telejornal do
canal de notícias a cabo mostrava, com direito a close, uma mulher beijando um
moreno musculoso durante o desfile do Monobloco. Era Colombina e o homem que
socorreu Pierre no Cordão do Bola Preta. Ninguém viu a cena.
O
namoro não chegou ao carnaval seguinte. Colombina foi transferida para
trabalhar em São Paulo e Pierre não queria deixar os pais. Ela partiu com o
homem musculoso, que se tornou o seu marido. Ele levou mais uma bronca da
família.
Conto de Gustavo do Carmo
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