Dez, nove, oito... milhões
de pessoas vestidas de branco faziam contagem regressiva para o ano novo na
praia de Copacabana. Quadras antes da
orla, os aparelhos médicos de monitoração bipavam ao ritmo dos últimos segundos
do ano velho.
Edith agonizava no CTI.
Tinha se jogado da janela do seu apartamento mal cuidado no décimo-primeiro
andar do prédio onde morava solitária na Vinícius de Moraes na noite de natal.
Foi socorrida lúcida. Pediu até um cigarro para os bombeiros que a socorreram.
Mas seu estado se agravou horas depois e ela foi transferida para o CTI. Tinha
sofrido múltiplas fraturas, principalmente no tórax e na cabeça.
Sete, seis, cinco... a
contagem regressiva era repetida na maioria dos lares da cidade. Algumas com as
luzes apagadas, mas iluminadas de forma intermitente pelos piscas das
decorações natalinas. O gráfico de
pulsação oscilava preguiçosamente.
O ex-marido, os dois
filhos e até a irmã de Edith estavam alheios à expectativa do ano novo. Faziam
planos para o futuro da ex-esposa, mãe e irmã caso se recuperasse. Antônio
estava procurando psicólogos para iniciar um tratamento contra o vício em jogo
de Edith. Os filhos, já adolescentes, voltariam a morar com a mãe. E Judite
estava decidida a perdoar a irmã.
Quatro, três, dois, um...
Feliz Ano Novo! Gritava a multidão na praia. As famílias estouravam sidras,
espumantes, prossecos e champanhes em seus apartamentos, casas, barracos e
iates. Os traficantes davam tiros para o alto com suas balas traçantes.
As enfermeiras e técnicas
de enfermagem, vestidos de verde, se cumprimentavam moderadamente em respeito
aos pacientes. Uma equipe foi interrompida porque o aparelho monitor do box de
Edith no CTI trocara o bipe intermitente pelo apito contínuo.
Edith estava livre do
vício em jogos e aquele cigarro que pediu quando foi socorrida fora realmente o
último. Não precisaria fazer tratamento e nem força de vontade para largar o
vício em nicotina. Não resistiu aos ferimentos da queda do décimo-primeiro
andar.
Seu ex-marido, dois filhos
e irmã se abraçavam aos prantos, indiferentes às comemorações do novo ano que
começava naquele momento.
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