Por Gustavo do Carmo
Hoje é aniversário do meu pai. Por isso, vou homenageá-lo falando de futebol e reprisando uma crônica publicada no Dia dos Pais do ano passado, na qual tentei explicar porque eu torço para dois clubes aqui no Rio de Janeiro: Flamengo e Botafogo.
Sempre fui daquelas crianças que "viravam a casaca”. Ainda não entendia de futebol, mas queria torcer de qualquer maneira por um time. Só que, indeciso, mudava de time a cada semana. Já torci até para o Cruzeiro, sem saber que ele era de Belo Horizonte e de outro estado. Minha mãe comprou uma camisa do clube mineiro, daquelas da coleção da Hering. Depois, com um pouco de influência da minha mãe e da televisão, que dava grande destaque a boa fase do Flamengo no início dos anos 80, decidi torcer para o rubro-negro. Mas, logo depois, dizia que torcia para o Vasco, para o Fluminense e, depois de algumas conversas com o meu pai, virava botafoguense doente como ele.
A paixão pelo rubro-negro acabou ficando. Decidi que ia torcer definitivamente para o Flamengo. Para o desgosto do meu pai que, procurando manter o respeito e a sua autoridade na família, além de querer me educar, me proibia de mencionar o nome do meu time. Dizia que era palavrão.
Com o tempo, o meu pai respeitou a minha torcida pelo Flamengo. No estresse do trabalho, nem tinha tempo para falar de futebol. Precisava se preocupar com coisas mais importantes.
Veio a decisão do Campeonato Carioca de 1989. O Botafogo tinha a primeira chance e, talvez a última, de acabar com o jejum de 21 anos sem título. Indiferente ao martírio alvinegro, eu ia torcer para o meu Flamengo. Na época, já gostava de Fórmula 1 e colecionava o álbum de figurinhas da categoria. Claro que eu era dependente financeiramente do meu pai e não podia comprar várias de uma vez. Solidário, meu pai se dispôs a ajudar a completar o álbum comprando um grande maço de figurinhas com a condição de... o leitor deve imaginar qual.
Torci como nunca. Para o Botafogo. Fim de jogo e comemorei com Coca-Cola, ao lado do meu pai, o fim do jejum de duas décadas e as novas figurinhas que enriqueceriam o meu álbum. Meu pai cumpriu a promessa. No mês seguinte já torcia de novo para o Flamengo.
Flamenguista, eu só teria direito à camisa do clube pedindo para a minha mãe. Ir ao Maracanã, nem pensar. Eu mesmo tenho medo. Só podia comentar sobre o meu time com uns poucos colegas de escola. Os mais próximos não gostavam de futebol. Dos que gostavam, a maioria era vascaína.
Na família, só tenho três primos flamenguistas. Bem mais velhos do que eu e de pouco contato pessoal. Outros primos eram vascaínos. Já o único primo da minha idade é botafoguense. Assim como o pai, o tio e o primo dele e o pai português de um dos meus dois primos flamenguistas. Eu parecia torcer sozinho.
Aos quase quinze anos, a minha idade já pedia para não ficar mudando de time.
Com tanta influência alvinegra, decidi assumir a minha torcida dupla. A decisão do Campeonato Brasileiro de 1992 foi a final dos meus sonhos. Dois clubes cariocas e para os quais eu torço. Escolhi o Botafogo para torcer porque ele ainda nunca havia sido campeão brasileiro. O Flamengo conquistara quatro vezes. Acabou vencendo pela quinta vez e fiquei feliz do mesmo jeito.
O sonho do título brasileiro do Botafogo tornou-se realidade três anos depois. A expectativa pelo título coincidiu com outro bom momento alvinegro: a reinauguração e a volta para a antiga sede da Rua General Severiano, que estava abandonada há anos. O clube lançou uma intensa campanha para atrair novos sócios e o meu pai resolveu comprar um título em meu nome. E eu aceitei.
Ele até queria comprar um título do Flamengo (na Gávea), mas eu preferi o Botafogo por achar mais perto e a condução (desde Bonsucesso) mais fácil. No ano seguinte eu estudaria em uma faculdade do bairro e acreditava que freqüentaria mais o clube. Puro engano. A faculdade ficava muito distante. Era possível ir a pé, mas a caminhada era longa. Quando eu ia ao Rio Sul, passava sempre por perto, mas sempre faltava um comprovante de residência, um recibo de pagamento, uma foto ou simplesmente encontrar a secretaria aberta. Nunca fiz a carteira de sócio. Deixei até de pagar. Achei melhor apenas torcer para o Botafogo.
E foi torcendo para ele que fui ao Maracanã apenas duas vezes na minha vida. A primeira foi em um amistoso que terminou empatado contra o Palmeiras e a segunda, a decisão da Taça Guanabara de 1997 contra o Vasco. O Botafogo venceu por 1 a 0 e conquistou, não só o turno disputado no jogo, como também o próprio campeonato estadual.
Quem leu esse trecho da crônica deve ter concluído que eu virei a casaca mais uma vez e me assumi exclusivamente botafoguense. Enganou-se. Também fiquei muito feliz com os estaduais de 1996, 1999, 2000, 2001, 2004, a Copa Mercosul de 1999, a Copa dos Campeões 2001 e a Copa do Brasil de 2006, conquistados pelo Flamengo. O Estadual de 2007 foi mais uma decisão que me deixou feliz com qualquer resultado. E o Flamengo ganhou nos pênaltis, acabando com o sonho do bi do Botafogo.
Às vésperas do dia dos pais do ano passado ganhei uma camisa nova do Botafogo. Branca, oficial da Kappa, com o patrocínio da Liquigás. Era um presente do meu primo flamenguista para o meu pai. Acabei ficando com o uniforme. Somou-se às três camisas (duas oficiais dos anos 90) do Flamengo e uma do Botafogo (comprada na reinauguração de General Severiano, em 1995, por 42 reais) que eu já tinha.
Neste ano a decisão do estadual se repetiu. Desta vez, ganhou um ingrediente a mais: as cobranças de um terceiro primo flamenguista para torcer pelo Flamengo. Mas continuava torcendo para os dois. Dentro de campo, o tempero foi o canto do "chororô" que o Botafogo ganhou na final da Taça Guanabara, quando houve uma briga envolvendo os botafoguenses Jorge Henrique e o goleiro uruguaio Castilho e o rubro-negro Souza. A fama aumentou quando o presidente do alvinegro ameaçou renunciar e quase cumprir a promessa ao tirar licença. Mesmo também sendo botafoguense, eu também achava (e ainda acho) que o Botafogo reclama demais.
A decisão do campeonato não teve chororô. Eu, como "botafoguista" e "flamenguense" torci para qualquer um. Mas fiquei com pena quando o Botafogo perdeu. Ao mesmo tempo, fiquei feliz com o bi do Flamengo que escapara do Botafogo no ano passado.
Satisfação dupla tive quando a mídia começou a tratar o clássico como a maior rivalidade do futebol carioca, superando a rixa entre Flamengo e Vasco.
É mais um motivo para a maioria monoclubista me chamar de louco. Mesmo assim, continuo sem ter vergonha de dizer que torço para dois times de futebol. Quando alguém me pergunta o motivo eu respondo que sou flamenguista para torcer sozinho e botafoguense para torcer com o meu pai.
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Bjo.