Uma história de--: Sete


Marcelo atravessou o portão da casa de Lívia. Tirou um cigarro do bolso da jaqueta e acendeu. Soltou a fumaça e começou a andar. Uma mulher de terninho colado no corpo passou por ele. Ele virou a cabeça para dar uma olhada. Ao voltar para frente uma senhora que estava colocando o lixo pra fora o olhou com desaprovação.
Ao passar por ela ouviu-a dizer.
Você devia se envergonhar. Você e aquela sua namorada.
Ele parou, virou-se e olhou a senhora fixamente. Apenas suspirou e continuou a andar. Tirou o cigarro da boca e mesmo faltando mais da metade para queimar jogou-o no quintal dela.
Ouviu-a xingando baixinho enquanto virava a esquina.
Atravessou a avenida e entrou na padaria. Sentou-se no banquinho.
Na televisão suspensa o jornal da manhã passava os gols da semana. Ficou assistindo por um momento até que um dos atendentes aproximou-se.
Bom dia. O que vai querer?
Hã... Tem pão fresco?
Tem sim chefia. Acabou de sair.
Tá, então me vê meia dúzia.
O que mais?
Vê uma cerveja também.
Cerveja?
É... cerveja, vem em lata, garrafa, eu quero uma lata, se não for incômodo.
O homem olhou feio para Marcelo.
Mas é que... são seis da manhã.
E?
E eu acho que você não devia...
Marcelo suspirou. Não acreditava que estava levando sermão do cara da padaria.
Olha aqui, você vai ali no freezer, pega uma latinha de cerveja pra mim e depois vai lá e pega meia dúzia de pão, ok? Se eu quiser tomar uma cerveja às seis da manhã ou às três da tarde num sábado, o problema é meu. Pode ser?
Olha, eu não quero me meter na sua vida nem nada, mas às vezes você vem aqui e toma cerveja de manhã, antes de ir pro trabalho, acho que seria melhor...
Vou te cortar agora. Posso te fazer uma pergunta?
O homem hesitou.
Hã... sim.
Qual o meu nome?
Hã...
É, não sabe né?
Não, acho que não.
Pois é. E você vem aqui me dar lição de moral me dizer que eu estou abusando do álcool? Sério mesmo?
Ah... não, não, é que... mas você também não sabe o meu.
Eu sei. É Jonas. Toda vez que você faz merda aqui o seu patrão grita lá do outro lado: “Ô Jonas, vem aqui fazfavor”. Talvez eu deva chamar ele agora.
Não, não, não, por favor, eu já vou trazer a sua cerveja.
Valeu.
Marcelo virou-se para a tevê novamente, balançando a cabeça. Agora estava passando os gols do jogo que ele assistiu na noite passada.
Mas olha só quem está aqui. Se não é o grande Marcelo!
O senhor deu dois tapinhas amigos nas costas de Marcelo com a mão esquerda, enquanto a direita estava estendida.
Marcelo o cumprimentou.
Opa, tudo bom Irajá, como é que tá?
Tudo certo.
Irajá encostou-se no balcão.
E aí, viu o jogo ontem?
Pior que eu vi.
Caraio, esse seu time, hein?
Ah, mas não adianta, seu Irajá. É aquilo que eu falo. Não tem meio de campo.
Pior que é. E aquele técnico? Tirar aquele meia argentino aos 30 do 1º tempo. Pô, pelo menos deixa o cara terminar o primeiro tempo.
É, mas vai falar isso pra ele. O cara é maluco.
O atendente colocou a lata de cerveja no balcão. Irajá olhou para a lata e ficou em silêncio, desviando o olhar.
E pro senhor?
Ah, 10 pãezinhos.
10 pãezinhos.
O atendente repetiu o pedido e saiu de perto. Marcelo abriu a latinha.
Vai uma?
Não, não. deixa pra outra hora.
Eles ficaram em silêncio. Marcelo tomou o primeiro gole e pôs a lata de volta no balcão.
Então, e aquele ataque, hein, Marcelo?
Nem me fale. São ruim pra cacete. E o meio de campo não consegue fazer a bola chegar nos atacantes, aí perde, erra o passe, dá de bandeja pro outro time e toma-lhe contra-ataque.
É, o gol saiu de contra-ataque.
Marcelo tomou outro gole.
Não adianta, Irajá, desse jeito não vai subir não.
Pior que é mesmo.
O atendente trouxe os dois sacos de pão. Colocou o do Marcelo no balcão e entregou nas mãos o do senhor Irajá, junto com a comanda.
Só isso mesmo?
Só. Só isso. Brigado.
O atendente saiu. Outro cliente havia chegado.
Bom, vô indo lá, Marcelo.
Os dois apertaram as mãos.
Falou.
O senhor foi em direção ao caixa. Havia apenas uma pessoa na fila, então foi embora rapidamente. Marcelo ficou observando-o enquanto tomava sua cerveja.
Ao terminá-la Marcelo amassou a lata e jogou-a no lixo embaixo do balcão.
Levantou-se e chamou Jonas com a mão.
Mais alguma coisa?
Não, só isso mesmo.
Jonas entregou a comanda a ele. Marcelo pegou o saco e andou em direção ao caixa.
Ao chegar sua vez, ele deu a comanda e disse.
Me vê um caixa de fósforo também.
Qual?
Da mais barata mesmo.
O caixa entregou o fósforo.
Vai cigarro hoje também?
Não, ainda tem bastante. Tô tentando parar.
Pô, aí você me quebra as pernas.
Disse o caixa dando uma risada.
Marcelo apenas sorriu.
Pagou e saiu da padaria.


Sétimo capítulo do conto de Lucas Beça


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