Conto de Gustavo do Carmo
Eram amigos inseparáveis e
confidentes na faculdade de jornalismo. Riam bastante e conversavam sobre
futebol e outras banalidades. Faziam trabalhos juntos, embora Vitório tivesse barrado
Randolfo em alguns deles após um vexame que o ex-amigo, que considerava
imaturo, deu em uma apresentação de Economia Política, no qual ficou mudo e
acabou sendo reprovado sozinho, porque as notas eram individuais.
Apesar disso, a amizade
continuou. Ela só voltaria a ser abalada quando Vitório começou a namorar
Mercedes, uma jovem rica, mimada, esnobe e grosseira, que jogou o namorado
contra o então amigo complexado. Além das insinuações de que eles pareciam
homossexuais, especialmente Randolfo, ela convenceu Vitório a não fazer uma disciplina
com ele, que ficou revoltadíssimo e ficou seis meses sem falar com o outro,
pois tinha adiado a matrícula, a pedido dele, para cursarem juntos.
Voltaram a se falar, inclusive
depois da formatura, por telefone e em alguns encontros. Entretanto, depois que
Vitório começou a trabalhar em um grande jornal esportivo, passou a evitar
Randolfo, que ainda procurava e era tratado apenas com educação por Vitório.
Randolfo chegou a convidá-lo para
o lançamento do seu livro (mais por desencargo de consciência por tê-lo usado
como um personagem) e Vitório foi. Trocaram contatos por e-mail, mas Vitório
jamais o chamou para conversar. Após ser tratado com frieza em um chamado no
chat, Randolfo prometeu nunca mais procurar o antigo colega de faculdade.
Até se encontrarem em um banco
assaltado. Em estado de choque, Randolfo passou mal com pressão alta e Vitório
o seguiu até o hospital. Discutiram a relação. De amizade, claro. Fizeram as
pazes. Mas logo depois, Vitório voltou a esnobá-lo.
No ano seguinte, Randolfo avistou
Vitório em Ipanema, onde este morava. Tinha ido fazer uns pagamentos de banco
para o pai quando o ex-amigo esnobe vinha, acompanhado da esposa, que empurrava
um carrinho de bebê com, provavelmente, sua filha ou seu filho, pela mesma
calçada, em sua direção.
Randolfo não se interessou em
identificar o sexo da criança. Antes de Vitório aproximar-se dele, atravessou a
rua. Queria evitar aquele reencontro. Não viu o ônibus que se aproximava e que
o acertou em cheio. Voou longe.
Vitório ouviu o estrondo do
atropelamento e, assustado, quis ver quem era a vítima. Sua esposa o
desencorajou.
— Não, amor. Deixa pra lá. Você
vai se estressar. Além disso, já tem muita gente olhando e estamos atrasados
para o pediatra da Carminha.
— Tudo bem.
Entrou na Vinícius de Moraes com
a esposa e a filha, alheio ao atropelamento que ocorrera na Visconde de Pirajá.
No dia seguinte, Vitório mudou-se para
São Paulo e nem ficou sabendo da morte do antigo colega de faculdade e agora
desafeto, pois o seu atropelamento sequer chegou a ser noticiado pela imprensa.
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