Toda Segunda-feira tem Mau Hálito

por Hemerson Miranda


Ontem acordei ao som de Lethe do Dark Tranquility como despertador. Junto com ela ouvi a melodia da decepção da segunda-feira. O gosto amargo que senti na boca profetizava como seria meu dia. Levantei como se tivesse acabado de acordar de um coma. Tomei um banho, escovei os dentes e fui para a padaria fazer o desjejum.

A forte luz do sol fez meus olhos doerem. Pedi um café com leite e uns pequenos pães que, mesmo não tendo nada de especial, me faziam bem ao paladar. A padaria estava lotada e a minha mesa era a única que ainda tinha lugar para mais uma pessoa.

Olhei para o caixa e vi três pessoas um homem, uma senhora gorda e uma moça bastante bonita. Um deles iria sentar-se junto comigo e como meu azar matinal por nada era superado certamente a velha gorda tomaria o café da manhã comigo. Se eu tivesse ao menos um fio tênue de sorte que fosse o homem é quem se sentaria, mas mesmo esta esperança já fora por mim descartada.

Qual não foi minha surpresa quando a moça bonita se dirigiu até onde eu estava sentado. Minha surpresa foi tão grande que eu quase me engasguei com o café. Ela sorriu e pediu licença. Eu esbocei um sorriso vacilante e disse para ficar a vontade. Havia me livrado de duas companhias desagradáveis para começar o dia, mas agora que havia tido a sorte de ter aquela belíssima visão diante de mim eu não sabia o que fazer. O perfume que vinha dela havia me deixado adormecido. Pensei em dizer “Você sempre come aqui?”, mas sacudi a cabeça tentando me livrar daquela pergunta ridícula.

Os segundos que se passavam pareciam eternidades em que eu estava perdendo a oportunidade de conversar com uma mulher tão atraente. Tinha até olhado para as suas mãos e ver se encontrava uma aliança ou anel de relacionamento, sei lá. Felizmente não havia nada disso. E eu não poderia perder essa chance. Foi então que percebi que na bolsa que ela havia deixado na mesa e que estava entreaberta tinha um livro que eu já li. Vi ali a minha oportunidade. Tomei mais um gole de café com tanta vontade que até me queimou a garganta, mas pelo menos me deu coragem de falar.

- Você já terminou de ler esse livro? -disse apontando para a bolsa.

Ela sorriu com os olhos e aquela visão me deixava ainda mais feliz, coisa rara numa manhã de segunda-feira.

- Estou na metade. – ela respondeu. – Você já leu?

- Li sim. Achei muito bom.

A partir dali a conversa sobre os personagens do livro tornou-se bastante agradável. Ela se identificava bastante com a personagem do livro. Havia mesmo até um capítulo em que ela se encontrava com um homem num café. Entre sorrisos e lembranças a conversa durou o tempo suficiente para que aquela segunda-feira valesse a pena. Ela saboreava uma torta de morango e chegou até a me oferecer. Para minha surpresa ela até mesmo levou a colher com um pedaço de morango até a minha boca para que eu experimentasse. Na minha mente eu pulava de alegria, pois aquilo me parecia até certa intimidade. Fiquei preocupado se minha face demonstrava tão escancaradamente a minha felicidade. Meus hormônios fervilhavam dentro de mim e o perfume dela já preenchera meu interior de tal forma que pensei jamais esquecer ele.

Ela falou que tinha de ir já que começava a trabalhar de 7:30. Uma tristeza profunda caiu sobre mim, mas meus pensamentos trabalharam rápido e uma coragem saída não sei de onde me fez fazer a seguinte pergunta:

- Desculpe, mas depois do trabalho você vai estar ocupada? Quem sabe...se você quiser...nós poderíamos beber alguma coisa hoje a noite...

- Bem...

- Ou outro dia! – prontamente emendei para que ela não se sentisse acuada.

- Na verdade...

Diante dela eu estava sereno, mas dentro de mim eu soltava gritos guturais pedindo a todos os deuses existentes ou não, até aos deuses da macumba mesmo, para que ela aceitasse meu pedido. Minha carne parecia se dilacerar ante a apreensão daquela situação.

- Verdade que eu gostei muito de conversar com você e até poderíamos sair um dia desses, certamente eu gostaria, mas...

Esse “mas” poderia naquele momento ter destruído todas as minhas esperanças, mas minha mente trabalhava a mil encontrando outras saídas para que ela realmente saísse comigo. O coração batia acelerado.

-...mas é que eu tenho namorada e marcamos de sair hoje a noite. Quem sabe outro dia você possa sair com a gente.

“Namorada” Aquela palavra foi um soco no meu estomago. Meu mundo caiu. Eu olhei para o chão e vi meus pedaços caindo e quebrando. Podia até ouvir o som deles. Todos na padaria pareciam olhar para mim. Senti o sangue me subir ao rosto. Um misto de vergonha e vontade de me matar. “namorada!” Um sorriso brotou de meus lábios. Parecia mais um sorriso de incredulidade. Olhei para ela tentando usar todas as minhas forças para me recompor. Engoli o coração que já estava tentando sair pela boca.

- Ah...tudo bem. – gaguejei passando uma mão sobre os cabelos, uma coisa que eu evitava fazer em situações como essa, mas também inconsciente era um gesto talvez para demonstrar certo charme. Que droga! Eu ainda tinha esperanças?! – Com certeza um dia desses podemos sair juntos. Você vem sempre nessa padaria?

Exatamente a pergunta ridícula que eu evitei usar da primeira vez saiu da minha boca sem nem eu ter percebido.

- Venho sim.

- Que bom.

- Bem...então até outro dia.

- Até.

Ela saiu e levou um pedaço de mim junto. Eu até podia ver ele, sendo arrastado no chão, preso aos pés dela. O pedaço de mim me olhava com lágrimas nos olhos. Coloquei a mão em minha cabeça e pensei; “Será que a velha gorda toparia sair comigo?”.

Sorri e senti o cheiro do café na minha boca. Pensei: Toda segunda-feira tem mau hálito.


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