Paladiane
Álgebra é filha única de um químico com uma professora de matemática. Cresceu
entre átomos, tabelas periódicas, progressões aritméticas e geométricas,
equações, geometrias e fórmulas por todos os lados. O próprio primeiro nome é
uma derivação de Paládio, nome de um metal branco presente na tabela periódica,
que forma o grupo da Platina, e que foi batizado em homenagem à Pallas, deusa da sabedoria na mitologia
grega. Por isso foi escolhido pelo pai, Apolo. O segundo foi imposição da mãe,
Norma.
Marido
e mulher discutiam sobre a profissão da menina quando adulta. O pai desejava
que ela fosse química como ele, enquanto a mãe insistia que ela deveria ser uma
matemática famosa. Brigaram por causa desta bobagem durante quinze anos.
Alheia
a discussão dos pais, Paladiane sonhava em se tornar filósofa. Desde os oito
lia livros volumosos sobre os grandes pensadores da humanidade. Decorava com
facilidade todos os complexos pensamentos dos grandes mitos, como Tales de
Mileto, Pitágoras, Sócrates, Galileu, Hume, Kant, Marx, Bernard Williams, Camus,
Comte, Nietzsche, McDowell, entre outros.
Por
conta destes estudos que ainda nem estavam em seu programa escolar – apenas em
breves verbetes nos livros de história - era uma menina inteligente. Tirava 10
em tudo, inclusive nas disciplinas preferidas dos seus pais, o que acirrava a rivalidade
entre eles.
Contudo,
ao mesmo tempo em que a filosofia a ajudava tornar uma menina inteligente e
madura para os seus doze anos, também a impedia de fazer muitos amigos e
conquistar os meninos que desejava. As colegas só a procuravam para colar e
jogar suas fúteis conversas fora. Pelas suas costas a chamavam de CDF, chata e
bicho-do-mato.
Paladiane
não era uma menina feia. Também não era o padrão de beleza da juventude
masculina. Tinha cabelos negros até a cintura. Magrinha, baixinha e muito
tímida. Olhos levemente puxados. Não usava óculos como muitas meninas
inteligentes e tímidas. O que assustava os meninos não era o seu dente avançado
que lhe dava o apelido de esquilinha,
odiado por ela, e sim uma grande mancha roxa de nascença em volta do seu olho
esquerdo. Disfarçava com o cabelo. Sofria muito preconceito. Pela marca, pela
timidez, pela inteligência e pelos nomes. Era motivo de piada por todas as
escolas por onde passou.
Só
atraía a atenção dos meninos mais ingênuos. E feios também. Como Arthurzinho,
um gordinho de óculos grossos, loirinho e sardento. Apesar de bondosa, ela preferia
um menino inteligente e bonito, como Pedro, que a desprezava porque a achava
horrorosa, boboca e chata.
Aos
dezoito anos, iniciando a faculdade de filosofia, apaixonou-se por Emílio, um
colega de sala lindo e simpático. Paladiane já tinha corpo de mulher. Seus
seios não cresceram muito, mas sua bunda fora arredondada e inflada pela fase
adulta. Os dentes de esquilinha desapareceram com o apelido, graças ao uso de
um aparelho dentário. Apenas a mancha roxa continuava em seu olho esquerdo.
Emílio
estava mais interessado no corpo de Paladiane do que na amizade, que mantinha
apenas para levá-la pra cama e ganhar alguma ajuda nos constantes trabalhos em dupla. Cegamente
apaixonada, a moça aceitava tudo o que ele pedia e fazia. Não desconfiava das
verdadeiras intenções do rapaz.
Em
uma noite de sábado, ele conseguiu. Convidou a amiga de nome estranho para uma
balada. Paladiane nunca tinha ido a uma discoteca na vida. Passou a infância e
a adolescência estudando os livros de seus filósofos preferidos. Hesitou
bastante, mas foi. Depois da festa de aniversário de um amigo de infância,
Emílio levou Paladiane a um motel e tirou a sua virgindade.
Na
segunda-feira seguinte, apaixonada, declarou o seu amor e perguntou quando eles
sairiam de novo. Ela fazia planos para apresentá-lo aos seus loucos pais.
Emílio a cortou amargamente:
—
Cai fora, garota manchada! Eu sou noivo. Só queria fazer sexo com você.
O
mundo de Paladiane veio abaixo. Sua vista turvou-se e o céu escureceu. Saiu
correndo da sala e foi chorar no jardim do campus da faculdade. Foi consolada por
Plínio, um rapaz moreno, cheio de espinhas e de aparência fechada que a menina
com nome de elemento químico e princípio da matemática achava antipático. Plínio
era apaixonado por Paladiane, mas sabia da paixão da amada por Emílio. Não quis
aproveitar-se da situação. Apenas a confortou em seu peito magro, quase
esquelético.
Apesar
do conforto de Plínio, Paladiane quis largar a faculdade. Ganhou convicção ao
ver a noiva de Emílio, uma morena de cabelos oxigenados, seios que pareciam
explodir de tanto silicone e mal cabiam na camiseta branca, além de micro-saia.
Ah! Já ia me esquecendo: era burra e fútil, como as amigas da quinta série.
Após
um dia de praia com Plínio, que tornou-se o seu melhor amigo, Paladiane
refletiu e achou melhor trocar a filosofia pelo jornalismo. Ao mesmo tempo,
tomou uma providência. Anotou o endereço de várias revistas masculinas, impressas
ou na internet, tirou fotos de topless e distribuiu para as publicações, mesmo
as mais vulgares. Fez, também, um book comportado para agências de modelo. Pensou:
“Se os homens não aceitam uma mulher culta, serei mais uma desinibida para
satisfazê-los”.
Paladiane
continuou na faculdade de filosofia por mais alguns meses para terminar o
semestre. Mesmo desinteressada pela carreira que sonhou desde criança, foi
aprovada em todas as disciplinas. Porém, em algumas com nota mínima que tirou
pela primeira vez. Com muita dor no coração, trancou a matrícula e fez
vestibular para jornalismo no segundo semestre. Passou em primeiro lugar. Também
não teve coragem de jogar fora os livros de filosofia. Apenas os guardou no baú
de coisas velhas. Queria ser vulgar, mas nunca deixou de ser inteligente.
Os
pais, esperançosos de que a filha trocasse a filosofia pela profissão que ambos
desejavam, voltaram a discutir. O pai pela química. A mãe pela matemática. Ficaram
frustrados ao descobrir que Paladiane preferiu o jornalismo. Não entenderam
porque a menina abandonou a profissão que tanto sonhava. Paladiane explicou
toda a história.
Liberais,
os pais respeitaram a decisão da filha de trocar a faculdade, mas acharam que
ela exagerou e não deveria ter desistido de um sonho por causa de um imbecil e
cafajeste. Aprovaram a troca da filosofia pelo jornalismo, mas não dela querer
posar nua e fazer da exposição de seu corpo uma profissão.
Três
meses depois, foi convidada para um ensaio de uma revista de moda. Vestida.
Depois, posou para um site sensual. De biquíni. Veio outro site e tirou a roupa
pela primeira vez. Só não mostrou. Cobriu-se com a mão, deitou-se ou foi
fotografada de costas. Com os cachês, comprou um carro.
Recebeu
o tão esperado convite para posar e mostrar-se inteiramente nua para a mais
famosa revista masculina. Enquanto muitas mulheres ficam nervosas ao
fotografarem sem roupa, bebem vinho para ficarem calmas e preferem ficar
sozinhas com o fotógrafo, Paladiane deixou-se fotografar com tanta serenidade
que parecia estar nas nuvens, além de não ter se incomodado com a plateia de
mil pessoas que se formou na praia que serviu de locação.
As
dez fotos não saíram na capa da revista. Na que abre o ensaio, ela está deitada
na areia com o corpo erguido para mostrar-se de frente, revelando os seios
pequenos de auréola média e caramelizada e pêlos pubianos aparados nos cantos
da virilha. No título, “PALADIANE ÁLGEBRA – ESTA MISTURA É MUITO BOA” e abaixo,
a descrição de que ela é filha de um químico com uma matemática, explicando a
origem do seu nome, que serviu de trocadilho para a abertura do ensaio. Em
outra foto, ela está com uma lingerie branca suspensa para mostrar o seu
recheado bumbum. Na legenda: “Já fui desprezada”. O ensaio termina com uma foto
em preto e branco dela dormindo, com a mão no rosto, cobrindo a sua marca de
nascença. Escondida, na maioria, pelos longos cabelos, a mancha não aparece em nenhuma
foto e sequer é citada no texto.
Mesmo
assim, Paladiane fez sucesso. Foi convidada para ser madrinha de bateria de uma
escola de samba recém-promovida ao grupo especial do carnaval carioca. Sua
fantasia era apenas a purpurina, o esplendor e o tapa-sexo. Foi a sua apoteose.
Virou
celebridade. Apareceu vestida na capa de todas as revistas do gênero. Ganhou um
programa de entrevistas na televisão. Apresentou até um telejornal (ela
formou-se em jornalismo, não se esqueçam). Casou-se com um jogador de futebol,
para desespero de Plínio, que cortou os pulsos. Paladiane ficou rica. Paladiane
queria mais. Queria continuar nua. Foi rainha de bateria no carnaval por mais
vinte anos. Todos sem fantasia, praticamente. Exibiu seu corpo desprovido de
roupas mais uma vez.
Desta,
foi capa da segunda maior revista masculina do país, concorrente ferrenha da
publicação multinacional pela qual posou pela primeira vez. Capa apenas, não.
Contratada vitalícia.
Na
estréia, interpretou o papel de uma cafetina e escolheu um bordel como cenário.
A cada mudança de corpo, seja natural ou através de plásticas, o exibia sem
pudores. Os seios siliconados foram mostrados três vezes. Cada vez de um
tamanho ainda maior. Mostrou a mancha nos olhos pela primeira vez, já no décimo
quinto ensaio. Antes do décimo oitavo, fez uma plástica em que tirou a marca de
nascença. Mostrou o novo rosto. Posou grávida duas vezes. Posou depois de dar à
luz. Posou aos quarenta. Aos cinqüenta. Aos sessenta. Setenta. Oitenta.
Noventa. Cem.
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