Conto de Gustavo do
Carmo
Chegou em casa, esbaforido, arrasado e batendo a porta da sala. Correu
para chorar no quarto. Preocupada, a mãe apressou-se para ver o que tinha
acontecido. A porta do seu aposento estava trancada. Gerlaine, deu dois toques
breves.
— Adamastor? Adamastoor?!
Não teve resposta. Ela insistiu, candidamente.
— Adamastor, meu filho. O que houve?
Só ouviu choros e soluços. E um grito de “Eu quero morrer!”
— Adamastor, se você não abrir essa porta agora, vou arrombá-la!
Depois de alguns segundos, ouviu passos e a porta finalmente foi aberta.
O menino tinha voltado a chorar na cama. Gerlaine entrou no quarto e,
carinhosamente, o abraçou calorosamente.
— O que foi, meu filho?
— Eu quero morrer, mãe!
— Mas morrer por quê?
— Minha infância foi destruída.
— Quem a destruiu? Alguém te abusou? Alguém está fazendo bullying contra
você?
Adamastor limitou-se a balançar negativamente a cabeça, soluçando.
— Então o que foi, meu filho? Não me mata de preocupação. Estou
começando a ter falta de ar de preocupação.
— Foi o Palhaço Patota, mãe!
— O que o Palhaço Patota te fez?
— Ele destruiu a minha infância.
— Adamastor, por favor! Você já me disse isso. Você já me disse que
ninguém te abusou. Ou esse palhaço Patota te abusou? Se não me contar eu vou
chamar o seu pai para te dar uma surra.
— Eu li no tablet que ele é alcóolatra, homossexual, comunista e odeia
crianças. Que o Palhaço Patota só se veste assim para ganhar dinheiro, namorar
atrizes e cantoras e ficar rico.
Gerlaine largou imediatamente o filho, encarou-o furiosa e desferiu-lhe
dois sonoros tapas no rosto.
— SEU MOLEQUE! VOCÊ VAI APRENDER A NUNCA MAIS FICAR DIZENDO QUE TEVE A
INFÂNCIA DESTRUÍDA POR CAUSA DE UMA CELEBRIDADE ESNOBE E ARROGANTE! VAI
APRENDER A NUNCA MAIS FICAR LAMENTANDO A INFÂNCIA DESTRUÍDA POR CAUSA DE UMA
BOBAGEM! EU QUE TIVE A MINHA INFÂNCIA DESTRUÍDA! FUI ESTUPRADA AOS NOVE ANOS
POR UM EMPREGADO DO SEU AVÔ! E AINDA FUI EXPULSA DE CASA POR ELE QUE ACHOU QUE
A CULPA ERA MINHA E TIVE QUE ME VIRAR! TIVE QUE COMEÇAR A TRABALHAR AOS DOZE
ANOS, DEPOIS QUE A MINHA TIA MORREU DE CÂNCER! E AOS QUINZE TAMBÉM TIVE A MINHA
ADOLESCÊNCIA DESTRUÍDA AO SER NOVAMENTE ESTUPRADA POR UM PIVETE DE RUA! FOI
DESSE ESTUPRO QUE NASCEU A SUA IRMÃ!
Nayla ouviu o que sua mãe, que achava ser adotiva, disse. Parou na porta
do quarto e gritou, já aos prantos:
— QUER DIZER QUE EU SOU SUA FILHA, MESMO? QUE EU SOU FRUTO DE UM
ESTUPRO? EU TE ODEIO, DONA GERLAINE! VOCÊ DESTRUIU A MINHA JUVENTUDE!
E a adolescente de quinze anos saiu correndo para o seu quarto. Em
seguida, voltou-se para o filho caçula e disse, dando-lhe alguns tapas:
— Viu o que você fez? Agora quem teve uma revelação que pode, de
verdade, destruir a juventude, foi a sua irmã. Está de castigo por ficar
fazendo drama por bobagem e por me fazer revelar um segredo sério para ela. E
você já tem doze anos para ficar acreditando em palhaço de televisão!
A descoberta que o Palhaço Patota é um alcóolatra, comunista, tarado,
arrogante e ambicioso realmente destruiu a infância de Adamastor, que construiu
o seu futuro.
Aos quinze anos começou a trabalhar como contínuo de uma transportadora
de carga, concluiu o ensino médio à noite, foi promovido a gerente, enriqueceu,
comprou a transportadora e mais outras vinte, casou-se com uma bela mulher,
teve dois filhos e foi morar no exterior.
Aos trinta anos deu uma surra no filho de nove anos, que chorava por ter
descoberto que Papai Noel não existe.
0 Comentários