BATE-BOLA

 Conto de Gustavo do Carmo




Quando criança, Fernandinho chorava de medo ao ver um bate-bola na rua. Se a turma de clóvis batesse forte a bexiga de plástico duro e colorido no chão, aí mesmo é que ele se desesperava. Pedia a mãe pra voltar para casa e ela o debochava, primeiro aos risos: “Deixa de ser bobo!”, mas depois perdia a paciência e esbravejava com o filho.

Preocupada com o medo do menino, a mãe de Fernandinho deixava o baile de carnaval no clube do bairro antes da hora. Para desespero da irmã mais velha de Fernando, que era obrigada a interromper o prazer de recolher todos os confetes que eram jogados no chão por outros foliões. Ela ia para os bailes com um saco na mão e voltava com dois. Mesmo saindo às pressas do clube, Fernandinho abria o berreiro quando encontrava um enorme bando de bate-bolas no caminho de volta para casa.

No ano seguinte, o medo de Fernandinho dos palhaços assustadores continuou. Já não ia ao clube, com medo de encontrá-los. Um dia, ao visitar a avó em Ramos, acompanhado do pai, encontrou mais um grupo deles.

Na segunda-feira de carnaval, voltava da casa da tia materna ao lado da mãe quando se assustou com uma dezena deles. Fernandinho não chorava mais à toa, mas neste dia se desesperou tanto, que ficou aos prantos e perdeu o ar de tanto soluçar. Desmaiou. O líder do grupo ficou tão preocupado que tirou a máscara e o acudiu. Acompanhou a sua mãe ao hospital onde o menino ficou em observação. Após melhorar, o rapaz, que aparentava ter uns vinte anos, ironizou, aos risos: — Você é a vergonha da nossa família! Em seguida, recolocou a máscara, reencontrou o seu grupo e voltou para a sua folia e seu anonimato.

Sim, Fernandinho se fantasiava todos os anos de bate-bola. Pedia à mãe uma fantasia diferente e uma máscara mais assustadora do que a outra a cada ano. O macacão de viscose era feito sempre pela tia do menino, irmã de sua mãe. A máscara comprada na Rua da Alfândega.

Mesmo com a máscara mais feia que usasse, Fernandinho ainda tinha medo dos seus irmãos de fantasia carnavalesca. Aparecia em muitas fotos com o rosto descoberto e chorando. O seu macacão colorido de bolinhas ou estrelinhas pretas mais parecia o de um palhaço triste. Se quisesse se fantasiar assim ou de pierrô, bastava pintar o rosto.

Depois de pagar o mico de ser socorrido por um bate-bola, Fernandinho perdeu o medo. Parou de se afligir. Descobriu que eles eram do bem. Só queriam se divertir. Fernandinho entrou na brincadeira. Cada vez que ouvia uma batida de bola, por mais forte que seja, ele desafiava.

O tempo passou. Fernandinho cresceu e se cansou de frequentar bailes carnavalescos no clube, que passou a proibir a entrada de máscaras, por causa da violência. Não achava graça em ir a um lugar em que não pudesse usá-la. Não gostava de dançar. Só queria mesmo era assustar. A festa perdeu o sentido. A irmã, também crescida, já não ia ao baile para recolher outros confetes e sim para dançar com as amigas, como toda adolescente.

Fernandinho, por sua vez, não tinha muitos amigos. Foi crescendo, mudando de níveis de escolaridade, fazendo e desfazendo amizades. Era muito tímido. Não gostava de sair com eles. Parou de se fantasiar e de brincar. Carnaval para ele, agora, só assistindo, pela televisão, aos desfiles das escolas de samba. A irmã se casou e mudou-se para a Inglaterra. Seus pais se transformaram em idosos cansados e desanimados.

Aos trinta anos, Fernando também já se desiludiu com os desfiles de escola de samba. Os quatro dias e meio de carnaval se transformaram em uma boa oportunidade de descanso e colocar o trabalho em dia, corrigindo a prova dos seus alunos da faculdade onde dá aula.

Cinco anos depois, foi tomado por um forte sentimento de nostalgia ao ver, pela janela, um grupo de bate-bolas passando na rua, na sexta-feira à noite. No sábado, amanheceu na Rua da Alfândega e comprou uma máscara de látex com uma figura de um monstro bem feio, uma bola preta, uma capa roxa e, também, um macacão grená com finas listras brancas. A tia que confeccionava os seus macacões de criança já havia morrido há muitos anos.  

Saiu fantasiado pelo centro da cidade no domingo de carnaval. Sentiu dois estalos fumegantes nas costas. Caiu abatido no asfalto ardente do verão carioca. O sangue lhe escorria por baixo da máscara. Já não ouvia mais um homem desvendar seu rosto pálido e comentar:

— Ô Catuaba, seu imbecil! Você acertou o cara errado. Este é um folião comum. Puta que pariu! Agora vai sujar pra gente! Vamo vazá!

— Foi mal, chefia.

Duas horas depois, o IML chegou para recolher o corpo e a polícia iniciar as investigações. O investigador dizia para o delegado:

— Tudo leva a crer que ele foi morto por engano.

— Sei não, mas esse cara não me é estranho. Disse o delegado, um quarentão gordo de cabelos grisalhos, camisa social com gravata, suspensório e coldre. Um figurino bem diferente daquele macacão de clóvis que vestia quando ajudou uma moça a levar o menino Fernandinho, que desmaiou de medo ao vê-lo e que era a vergonha da família. 

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