Conto de Gustavo do Carmo
Não aguentava mais ouvir coisas
do tipo “Meu namorado me deu um presentão”, “Vou me casar na semana que vem” ou
“Meu marido disse que eu não devo me estressar tanto no trânsito”. Saber que
uma mulher interessante para ele, seja conhecida próxima ou famosa, tem
namorado ou era casada o desanimava bastante. Saber que ela engravidou era o
fim. O fim das esperanças para Apolo.
Não que ele odiasse crianças. Mas
não tinha paciência para lidar com elas. Achava muito desagradável ter
responsabilidades de pai com o filho dos outros. E se gostasse do menino ou da
menina teria que disputar o coração dela com o verdadeiro pai. De vez em quando
pensava em aceitar um enteado. Mas se desanimava quando a mulher engravidava de
novo. E se fosse de um segundo marido pior ainda. Teria que concorrer com dois
pais verdadeiros. E as crianças ainda poderiam formar panelinha contra ele.
Apolo era virgem. Nunca teve
namorada. Era muito tímido e imaturo. Não que ele fosse feio, mas não se cuidava.
Tinha o rosto marcado por espinhas e já estava entrando na faixa da obesidade e
não mais um barrigudo. Sonhador demais, fantasiava uma relação com uma mulher
próxima ou famosa. Mas tudo murchava quando descobria que sua mulher desejada
já tinha namorado, marido ou filho.
Já era cobrado pelos pais para
ter uma namorada e lhes dar um neto. Ficou ainda mais desanimado quando soube
que homens mais velhos são mais propensos a gerar filhos com deficiência
intelectual. E Apolo já estava se aproximando dos quarenta.
Quando era adolescente só se
interessava por mulheres mais velhas. Só que agora as mulheres mais velhas que
sempre desejou já estão na faixa dos sessenta. Na terceira idade. Passou a se
interessar por mulheres na faixa dos trinta. Só que muitas destas já têm
filhos. E ainda pequenos. Restava a Apolo as mulheres de vinte. Só que aí ele
já se sentia um tio ou um pedófilo.
Com a sua idade, ficava muito
deprimido quando sabia que um primo ou prima que viu nascer já era pai/mãe ou
simplesmente se casava. Já boicotava os casamentos da sua família. O mesmo com
os colegas da faculdade, que tinham ideias imaturas como ele e hoje são pais
responsáveis, maduros e jornalistas esnobes.
Quando Apolo descobriu que uma
bela ex-colega da pós-graduação - que se dizia sua amiga mas o boicotou nos
trabalhos de grupo - se casou e teve mesmo dois filhos com outro colega feioso
da mesma turma dele e que também se fazia de amigo, resolveu partir pro ataque.
Não pense você, leitor (baixou o
Machado de Assis em mim), que ele decidiu cuidar mais de si, emagrecer e sair à
caça nas boates. Ele saiu para caçar, sim, mas nas ruas. Correu atrás. De uma
mulher para estuprar. Estava cansado de ser bonzinho e educado. Jurou que não
morreria virgem.
Realmente, Apolo se arrumou, se
perfumou e fez a barba. Saiu de casa por volta de meia-noite. Esperou no portão
do prédio até que passasse uma morena clara de cabelos pretos ou uma ruiva,
suas preferências sexuais. Passou uma ruiva praticando running com o namorado (como sempre). Mesmo se estivesse sozinha
ele não teria chance, de tão fora de forma que estava.
Quando viu uma morena clara sozinha começou a
agir. Disfarçou. Sem tirar os olhos dela, saiu da portaria e a seguiu. Teve a
sorte de não perdê-la de vista, pois o porteiro tentou puxar assunto com ele.
Seguiu a moça. Fez de tudo para não percebido por ela. Mas a futura vítima
sequer percebeu que estava sendo seguida. E nem ia perceber, pois estava
cabisbaixa, vagando sem rumo pela cidade onde Apolo morava.
A mulher caminhou até a praia mal
iluminada. Ou vagou até ela. Aparentava estar triste. Como se tivesse acabado
de ver o noivo se agarrando com a sua melhor amiga. Se estava sozinha na rua
deserta, correndo perigo de ser assaltada ou estuprada, era o que ela mais
queria e nem ia tentar escapar. Apolo se aproximou. Tapou a sua boca com a mão direita e a arrastou até a areia, para onde a jogou violentamente. Rasgou o
seu vestido e as roupas de baixo. Cumpriu o seu objetivo. O instinto de
sobrevivência fez a vítima gritar, mas depois gemer de prazer.
Apolo foi preso na manhã
seguinte, enquanto dava a sua caminhada matinal. Foi facilmente identificado pela
câmera do Canal da Praia da TV a cabo. Cometeu o erro de sair com o mesmo
estilo de roupa que usou no estupro. Sabia das consequências.
Seus pais e sua irmã se afastaram
dele. Apolo apodreceu na prisão, mas pelo menos não morreu virgem. Sim. Apolo
morreu. De AIDS. A garota que ele estuprou tinha acabado de descobrir que o
namorado a contaminara com o vírus HIV.
Esta é uma obra de ficção.
Qualquer semelhança com personagens é mera coincidência.
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