Três opções



- Ou deixa a transformação se completar ou parte de sua memória será apagada no processo de reversão. É com você...

- Não tem outro jeito? - diz o homem com dois buracos em seu braço, onde estiveram cravados dois caninos.


É uma cena decisiva. O homem foi mordido por um vampiro. Foi pedir ajuda a um amigo que diz que pode reverter o processo, porém, ao fazer isso, sua memória será apagada. Aí está o dilema. O verdadeiro problema não está na verdade se ele deve ou não aceitar, perder quem ele é ou deixar que se torne um vampiro. O problema é que, partindo do pressuposto de que vampiros existem e que há um processo que consiga reverter o vampirismo, por que raios a memória seria apagada? Não tem motivo nenhum. É apenas uma coisa que está ali, sem ser questionada. [Vide: Rubber: O Pneu Assassino]. Mas tudo bem, aceitado esses pressupostos: de que vampiros existam, de que há um processo que impede que a pessoa mordida por um se torne um vampiro, e também de que no processo de reversão a memória será apagada, a cena poderá continuar por alguns caminhos. a) o tal amigo diz que não, não tem outro jeito, e o mordido escolhe passar pelo processo ou não. b) ele pergunta por que a memória dele vai ser apagada no processo de reversão. O amigo diz que é uma longa história e que não tem tempo para falar disso agora. Eles têm que agir rápido. Caso isso aconteça – e eu gosto desse cenário – eles fazem o processo ou não, e não se é discutido o porquê a memória ter sido apagada [Vide... Bom, se ainda não viu, está perdendo um “filmão”]. (b2) ele decide que não quer o processo, vai se transformar em um vampiro e não discutem o fato de o processo apagar a memória, porque ele tem um problema muito maior, que é: Eu sou a merda de um vampiro! (b3) E isso é ótimo: simplesmente aceite que é assim e continue com a história. O problema mesmo, aquele que realmente importa para toda discussão que estou propondo aqui é a terceira (ou quinta, se considerar a b como 3). c) é explicado o porquê de o processo ter que apagar a memória do paciente, como em um filme ou episódio ruim de série de tevê em que: Ok, vamos parar aqui por um momento e explicar para você, telespectador, que esse processo acaba apagando a memória do infeliz mordido – que essa doença não se encaixa no diagnóstico por conta disso, disso e disso, que são decorrências disso e daquilo; que o suspeito não poderia ter matado por conta daquilo, e daquilo outro; mesmo sendo profissionais treinados que sabem como funciona seu trabalho e não precisam ficar se explicando uns para os outros, e que meia palavra basta. Não sou muito fã da terceira opção. Mas ei! Faça o que quiser, conte sua história da melhor forma possível. Eu provavelmente já utilizei a todas as opções. E provavelmente vou usá-las muito no futuro, então...


- Bom, tem outro jeito, sim. Você não vira vampiro e fica com as memórias. Mas você pode morrer no processo - o amigo diz isso com um sorriso na cara.

- Há! Há! Muito engraçado.

- Não estou brincando.

O amigo mordido geme de dor e diz:

- Tá, ok, vamos acabar logo com isso. A última opção.


Conto de Lucas Beça

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