Cartas para ninguém (37, 38, 39 e 40)



- 37
Hoje eu fui na minha primeira reunião com os outros viciados.
É bem simples, você compartilha e ouve o que os outros compartilham. Talvez isso te motive. Estou sem fumar faz quatro dias. E está sendo um perrengue.
Lá tem várias figuras, mas o mais estranho é o cara viciado em beber água.
Sério, água. Na verdade eu não devia estar tirando sarro disso. O cara tem tanto descontrole que ele bebe e bebe água a ponto de passar mal. Já chegou a ir pro hospital por isso.
Essa manhã eu me livrei do último maço que eu tinha aqui em casa, dentro de uma gaveta.
Um dia de cada vez.


- 38
Tirando o som da televisão, aqui em casa é um completo silêncio.
Eu sinto falta da sua voz.


- 39
Eu não tenho mais ido visitar você porque eu não aguento mais te ver definhando naquela cama de hospital.
Desculpe, mas não dá.
Toda vez que eu entro naquele quarto, com aquele cheiro que todos os hospitais têm, e vejo você lá, cada vez mais magra, os braços imóveis, o rosto desidratado, o tubo na sua garganta, a máscara de oxigênio, o fraco barulho do batimento cardíaco que sai dos aparelhos, os soros que entram pelas suas veias...
Eu consegui por um tempo, mas acho que não dá mais.


- 40
Uma das clientes me chamou pra sair, acredita? O nome dela é Karen. Ela tem cabelo curto, loiro, sempre veste jeans e uma blusa com capuz. Parece tímida, fala pouco, mas hoje ela me chamou pra sair com ela.
Deixou o número e disse pra eu ligar pra ela hoje.
O que você diria pra mim? Será que eu devo ligar? Não estou muito no clima de encontro, ou só um café, ou seja lá o que for...
Não tenho ninguém mais com quem conversar, a não ser você, que não pode responder.
O meu chefe? O Robinson? A minha mãe? Meu Deus, quantas poucas pessoas eu tenho na minha vida. E você era a mais especial.
Que merda.


Parte 10 do conto de Lucas Beça

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