Um homem olha para o horizonte com as mãos na cabeça, o olhar aterrorizado. Esse homem sou eu.
O dia está realmente bonito e ensolarado, pois a porta da varanda está aberta e dá para ver o gramado lá fora, esse vasto cobertor verde entremeado por algumas rosas. Tudo parece lindo, em contraste com o fogo que queima tudo aqui dentro. Eu peguei o whiskey 40 anos e, entre um gole e outro, derramei nos sofares, nas cortinas e no tapete. Gotas caíram na cópia de uma certidão de nascimento, me dando um teste colorimétrico, mostrando que não existem espécimes químicas de amostras falsificadas. Daí eu percebi o quão bom é realmente esse whiskey.
Quando olho para baixo, lá para o chão, percebo que minhas maçãs do rosto tem sulcos abertos pelas lágrimas. Meu segundo erro foi beijá-la. Meu primeiro erro foi jogá-la da sacada do primeiro andar. Certo, você pode achar que eu estou confundindo e invertendo as coisas, mas deixa eu te falar um negócio: quem está contando a história sou eu, então sei bem o que estou fazendo. Apenas continue lendo.
Eu fico puto quando lembro da batida que fizemos uma vez e encontramos amostras de whisky falsificado em que eles colocavam cachaça barata para aumentar o teor alcoólico. Qual o problema dessas pessoas?
O que você precisa saber sobre Diva é que eu gostava dela. Digo, eu realmente gostava dela. Não era amor, nem outra dessas besteiras, mas eu realmente gostaria de passar o resto da vida com ela. Mas não se engane desde o início. Isso não é uma história de amor, mas também não é uma história de ódio. E não leia da maneira como você costuma ler, pois essa maldita história só vai ter umas pausas pra você tomar fôlego. Então vai piorar. Depois piora mais.
Em outra batida descobrimos que para corrigir a cor do whisky falsificado eles acrescentavam caramelo. E isso me fez pensar sobre a crueldade da mente humana. Pelo amor de Deus! Caramelo? Por isso que aquelas porras daqueles whiskys tinham uma cor tão horrível, uns eram magenta, por causa da glicose, claro. Nem fazer o errado esses malditos sabem.
Eu tenho esse ódio, que nasce de meu fígado, como uma úlcera. Um ácido vai corroendo meu órgão, provocando feridas, aumentando uma lesão. Sou uma máquina que fabrica ácido. Essa raiva proveniente de uma decepção, de ter uma coisa em suas mãos pensando que é algo quando na verdade, nesse momento em que você vai experimentar, é totalmente outro. Me sinto enganado e isso me aborrece. Saber que tudo o que tinha naquele recipiente é falso. Eu poderia fazer disso uma analogia com pessoas, mas então um pensamento me vem: se eu espero algo de outra pessoa, o problema sou eu.
Olho para baixo desde o primeiro andar e o corpo de Diva sobre a poça de sangue permanece lindo. Acima da cabeça estão unhas de porcelana pintadas com um degradê de vermelhos cintilantes. Os dedos com vários anéis. Os cabelos abundantes e acobreados. Infelizmente, como caiu de bruços, não dá para ver seu enorme par de seios. O paletó branco contrasta lindamente com o vermelho viscoso sob ela e a saia aperta tanto sua bunda que ela parece um coração. Porra, ela mesmo espatifada no chão parece uma princesa.
Os whiskys falsos, diluídos em água de torneira com seu flúor e cloro, você nota rápido porque pagou tão barato em uma garrafa de 900ml. Já um whiskey original? Bem, uma vez eu comprei um e quando enchi o primeiro copo e lembrei o valor pago nele perguntei a mim mesmo o quão barato eu era diante daquela garrafa.
E agora tem esse homem de olhar aterrorizado com as mãos na cabeça olhando o horizonte com lágrimas secas nas bochechas e esse homem cuja dor já não mais incomoda, caído num torpor cada vez mais agradável. E nenhum desses dois sou eu.
Diva sempre tinha alguma vantagem sobre mim. Era feliz, era livre, era bonita. E agora, ali em meio a grama verde e orvalhada, ela tinha uma enorme e terrível vantagem sobre mim:
Estava morta.
Hemerson Miranda
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