Cartas para ninguém (25, 26, 27 e 28)



- 25
Eu estou tendo um pesadelo recorrente há uma semana.
Nele eu estou tranquilo dentro de casa e um médico bate na porta, dizendo que eu tenho que ir com ele até o hospital, porque tem um corpo que eu tenho que fazer reconhecimento.
De repente nós dois somos transportados para o necrotério.
Ele caminha até a única mesa metálica do lugar e tira o pano branco de cima do corpo, e é você que está ali, dura, fria, branca, sem expressão.
Então eu acordo.


- 26
Peço desculpas novamente pela semana sem escrever.
Não tenho saído de casa, a não ser para ir à locadora e ao mercado.
A televisão acaba sendo meu único vínculo com a humanidade. Com os clientes só tenho conversas automáticas, qual o nome, são x reais, devolver tal dia; com o chefe quase não tem conversa, ele está sempre preocupado se vai fechar o negócio ou não; no mercado as conversas também são automáticas. O Robinson liga de vez em quando, mas eu não atendo. Ele também não faz esforço para vir aqui me ver.
Não que eu queira.
Também não estou indo aí te ver.
Desculpa.


- 27
Ontem eu passei uma boa hora olhando a pasta no meu notebook com fotos suas e de nós dois.
Escolhi a melhor que eu pude, no meu gosto meio duvidoso e salvei no pen drive.
Levei até a loja de revelação aqui da cidade e no fim do dia fui buscar. Comprei um quadro também.
Agora a pouco coloquei o foto no quadro. Está deitado aqui na mesa. Você está bem sorridente. Daqui a pouco eu bato um prego na parede e penduro.


- 28
Eu não consegui achar o martelo.
O quadro ainda está aqui na mesa, junto com um prego. Talvez amanhã eu peça pro meu chefe. Às vezes ele tem um lá na loja.


Parte 7 do conto de Lucas Beça

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