Eu tenho que dormir. Eu tenho que dormir. E esse é o
problema. Eu tenho que dormir porque tenho que acordar cedo, porque eu tenho
que pegar um ônibus e chegar lá naquele lugar que eu me comprometi a ir, e se
eu acordar meia hora mais tarde, eu perco o ônibus. Se eu perder o ônibus...
E isso sempre acontece. Sempre, sem exceção. É incrível. Eu
tento dormir mais cedo, não adianta. E não adianta você falar pra eu não me
preocupar, pra eu relaxar, pra eu contar carneirinhos, pra eu contar um pra quando eu inspiro e dois pra quando eu respiro, e voltar ao um de novo, e assim por diante, porque
não vai adiantar. Estou te dizendo. Acredite em mim. Eu não tenho motivos para
mentir pra você, seja lá quem você for.
Você provavelmente vai dizer que isso é bobagem, mas não é.
Não pra mim. Não, eu não sofro de insônia, eu sou só um idiota com um relógio
biológico interno desregulado, quebrado, estragado, parado, inexistente.
Ou, o que é ainda mais provável, você vai dizer que “olha
só, isso acontece comigo também.” Não, isso não acontece com você. Esse, aliás,
é o pior pensamento, a pior forma de se solidarizar com o meu caso. Na verdade
eu não dou a mínima pro seu sono. Se você tem insônia, parabéns. Você toma uns
remédios e apaga, ou você não quer tomar remédios, acha que eles te deixam
estranho, ou sei lá o quê, aí então você merece ter insônia e ser um zumbi
mesmo.
É, eu sou um zumbi. Eu sou o cara que não quer tomar
remédios, mas não porque fico achando que “ai,
comprimidos me deixam meio zonzos, eu não me sinto eu mesmo”, mas por que o meu
terror é não conseguir acordar na hora no dia seguinte. E se eu não conseguir
acordar na hora não porque eu fui dormir tarde, mas porque eu apaguei, aí eu
vou passar o dia zonzo, me sentindo culpado, e—
Mas que merda. Todo dia é a mesma coisa. Todo dia a porra do
meu cérebro acha que a melhor hora do dia pra ter ideias, uma atrás da outra, é
às duas e meia da manhã. Não, duas e meia já passou faz tempo. Já passa das
três da madrugada. E sabe o que vai acontecer? Eu vou acabar conseguindo dormir
lá pras quatro, quatro e meia. Mais uma vez.
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